quarta-feira, 7 de março de 2012

Contradições presidenciais:: Rosângela Bittar

A presidente Dilma decidiu, pelo menos em teoria, não interferir nas eleições municipais. Na prática, até este momento do calendário, já interferiu, e muito. O que seria a nomeação de Marcelo Crivella para dirigir o espetaculoso e inócuo ministério da Pesca senão o objetivo de arrefecer o discurso negativo dos evangélicos sobre o desempenho do ex-ministro da Educação, agora candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad? O que seria essa nomeação de um bispo-senador do partido da Igreja Universal, que fez contrariada, justificando-se pela dispensa do antecessor, e aos prantos, senão o instrumento para afastar da disputa com Fernando Haddad o candidato do PRB, Celso Russomano?

Não tem a presidente para onde fugir da evidência: querendo ou não dar seu peso à disputa, acabará dando, pois já deu. Líquida e certa será a consequência, pois, mesmo que de forma tardia, a presidente sofrerá alguma multa por sua interferência no pleito.

É justamente isso - a humilhação da multa pela transgressão - que gostaria de evitar não participando de forma tão clara. A mais de um interlocutor a presidente já disse que não gostaria de maneira alguma de passar pelo que passou o ex-presidente Lula. Considera humilhação desnecessária e insuportável receber multa do tribunal por praticar irregularidade, assim, à luz do dia e em praça pública.

Dilma oscila na teoria sobre apoio à campanha de aliados

Dilma contou a amigos que a multa do TSE a Lula por participação irregular em campanhas eleitorais, em 2004, foi uma das piores coisas que já viu no mundo da política. Ela, disse, não seria multada pelo TSE, não considera adequado. Mas resistir à campanha, quem há-de?

Lula, que nunca deixou de fazer campanha, a palanqueira genuína, do primeiro ao último dia de governo, sem demonstrar constrangimento ou um fio depreocupação, não registrou o revés sofrido, se é que considera a multa um revés. Dilma, não. Sabe que se for punida ficará mal. O valor simbólico da multa, de R$ 5 mil, é mais humilhante ainda.

Nunca é tarde, mas a preocupação da presidente, se servir ao controle do seu comportamento, deve funcionar, se funcionar, só para o futuro, pois multada ela já foi. O Tribunal Superior Eleitoral suspendeu o programa eleitoral gratuito do PT, previsto para este semestre, no rastro de uma multa ao ex-presidente Lula e também à presidente Dilma Rousseff. No valor de R$ 5 mil cada. Simbólico, sim, mas a presidente perdeu a condição de neófita na transgressão.

A avaliação da presidente é que seria uma besteira entrar de cabeça na disputa municipal. Primeiro, porque não é obrigada a isso. Segundo, porque vai amealhar muitas vitórias, mas sofrerá derrotas desnecessárias.

É impossível ficar completamente distante, mas vai tentar. Já avisou que não interferirá em Porto Alegre, seu berço político, onde tem três aliados disputando as eleições. Lugares onde há oposicionistas aguerridos na disputa, como Rio e São Paulo, por exemplo, ela pode dar mais peso à campanha dos aliados, mesmo que sejam muitos. Anote-se aqui mais uma contradição, pois Dilma assegurara, antes das disputas chegarem precocemente ao calor de hoje, que não participaria da campanha em locais onde aliados no plano federal disputam entre si.

O que se diz, afinal, ao seu redor, é que não vai queimar noites de sono, não selará compromissos. Mas vai fazer "o que estiver a seu alcance", e isso é muito. O candidato petista à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, por exemplo, ela já ajudou e ajudará de várias formas, como aquela nomeação de Crivella para o time ministerial. Mas não considera o candidato responsabilidade sua. Eleger Haddad é compromisso e responsabilidade de Lula, afirma-se em gabinetes ministeriais próximos à presidente.

As análises supostamente técnicas que se apresentam à presidente lhe dão também esse conforto. Especialmente com relação a São Paulo. Diz-se a ela, de Gabriel Chalita, por exemplo, que é tucano, e por isso tirará votos de José Serra. "Se Chalita sair para apoiar Lula, não é Serra que cresce?" - perguntam-se os aprendizes de feiticeiro. Da mesma forma que se pergunta, também, quem ganharia com a saída de Netinho (PCdoB) e Celso Russomano (PRB), desta disputa.

"Isso tem que ser medido, pois no segundo turno são todos contra Serra", conclui o analista, dando a eleição paulistana como fava contada.

É fato que Dilma já entrou na disputa municipal. Com o discurso de que não quer entrar.

Multiplicam-se as brigas entre ministros e seus secretários executivos no governo Dilma. À já conhecida disputa de poder entre Guido Mantega e Nelson Barbosa, no Ministério da Fazenda, alinha-se uma outra que, segundo testemunhas, é pior porque deixa mais amigos tombados: a briga entre Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, e Alessandro Teixeira, Secretário Executivo do Mdic, já está no octógno.

O julgamento do mensalão atinge o humor do Palácio do Planalto por um de seus efeitos diretos sobre o governo Dilma. Se o ministro Ricardo Lewandowsky conseguir empurrar a votação para as calendas, como está sendo percebido seu movimento pelo público interessado, e os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto saírem do STF por expulsória dos 70 anos, o primeiro em setembro e o segundo em novembro, sem deixar os seus votos sobre o caso, é a presidente quem vai ficar com o ônus de definir o julgamento. Dilma terá que substituir Peluso e Ayres. Sofrerá pressões brutais para substituí-los por opiniões mais amenas aos mensaleiros, a quem interessa, claro, protelar o veredito.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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