Tecnologia na agricultura e na mineração precisa ser levada em conta, diz economista em seminário no IPEA
Já federações de empresários e líderes da oposição defendem tese de que país vive desindustrialização
Gustavo Patu
BRASÍLIA - A indústria não vive um processo anormal de encolhimento no Brasil: o país é que se industrializou além da conta no passado, alavancado por políticas oficiais de alto custo para a sociedade.
O diagnóstico, que desaconselha medidas de amparo ao empresariado como as anunciadas na semana passada pelo governo Dilma Rousseff, foi defendido em março, em seminário interno do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado à Presidência).
Convidado pelo instituto, o economista Duilio de Avila Bêrni alimentou a controvérsia em torno de duas transformações recentes da economia brasileira: a perda de participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas pelo país) e o aumento do peso de produtos agrícolas e minerais na pauta de exportações.
Ambas as transformações, conhecidas no debate político e econômico como "desindustrialização" e "reprimarização do comércio exterior", sugerem retrocesso no desenvolvimento.
Estudioso das relações entre os setores produtivos, Bêrni apresentou estudo que contesta a tradicional associação da agropecuária e da mineração com o atraso.
De acordo com o texto, "o novo perfil da pauta de exportações está gerando crescimento intersetorial, uma vez que os produtos primários estão cada vez mais intensivos em conhecimento e capacitação técnica". Um exemplo seria o uso de informática e biotecnologia na agricultura.
"Se não fossem os incentivos que perverteram o sistema de preços, não teríamos tido aquele nível de industrialização que ocorreu no Brasil", disse Bêrni à Folha. Para ele, tais políticas geraram mais concentração de renda.
Longe do consenso
Há tão pouco consenso em torno do tema que nem o co-autor do estudo sobre os efeitos positivos da exportação de primários, Joal de Azambuja Rosa, concorda com a interpretação de Bêrni.
Três dias depois da apresentação do trabalho, o próprio Ipea divulgou documento que identifica um processo alarmante de desindustrialização no Brasil.
A mesma tese já foi defendida por federações empresariais e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), além de líderes oposicionistas, como os tucanos José Serra e Aécio Neves.
O governo Dilma, que evita usar o termo, segue a agenda de desonerações tributárias, subsídios e outros incentivos pleiteados pelo empresariado, embora sob críticas ao alcance das medidas.
Dilma, Serra, a equipe econômica e o comando do Ipea são herdeiros do desenvolvimentismo concebido na América Latina após o final da Segunda Guerra Mundial, segundo o qual a indústria é o motor de inovação tecnológica e progresso.
Economistas mais liberais, como Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, veem a questão de outra forma. Para ele, o boom dos preços dos produtos primários a partir da década passada pode ser ou não um fator de instabilidade para as economias produtoras.
Segundo trabalho que fez com Albert Fishlow, o Chile aproveitou o fenômeno para alavancar a renda per capita. Já Argentina e Venezuela, com políticas inadequadas, não conseguiram o mesmo.
Em estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas, Regis Bonelli e Samuel Pessôa concluem que a indústria tinha participação exagerada no PIB até meados dos anos 1990, corrigida a partir da abertura da economia.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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