segunda-feira, 9 de abril de 2012

Quem perde com Demóstenes:: Renato Janine Ribeiro

Quem saiu perdendo com a queda do senador Demóstenes Torres? Parece óbvio que a primeira vítima é o partido que ele liderou no Senado. Demóstenes angariou tal prestígio na oposição que, com exagero, seu nome até estava sendo cogitado para concorrer ao Planalto, num fantasioso voo solo do DEM. Mas o Democratas, embora perdendo seu orador mais destacado, foi rápido no gatilho. Em uma semana, afastou-o. De olho nas eleições deste ano, o partido espera ganhar votos com a imagem de uma agremiação que, se preciso, corta na carne. Mas o máximo que ele pode querer é estancar a hemorragia, sem conseguir voltar ao tempo em que tinha boa saúde e, na reeleição de FHC, em 1998, atingia a maior bancada de deputados federais. Talvez o episódio precipite o fim do DEM, que se incorporaria a outro partido, provavelmente o PSDB.

Quem mais perde, com as denúncias éticas contra o senador, é a oposição e sua estratégia principal. Os partidos oposicionistas se dedicaram, desde o segundo ano de Lula na Presidência, a acusar o governo federal de corrupto. A certa altura, a estratégia aparentou dar certo. José Dirceu foi cassado. Em meados do primeiro mandato, Lula parecia estar ameaçado. Até se sugeriu que o PSDB o pouparia da vergonha de um "impeachment"; em troca, Lula renunciaria a postular a reeleição, em 2006. Hoje, essa hipótese parece insensata. Lula conseguiu uma popularidade invejável. As duas eleições presidenciais realizadas em sua administração consagraram sua liderança. O impacto das denúncias de corrupção contra o governo se reduziu significativamente. Elas ainda mobilizam certos setores da sociedade, em especial a classe média e, sobretudo, em São Paulo. São fortes na imprensa de oposição. Pouco mais que isso.

O PT coloca a oposição na defensiva ética

O episódio do senador Demóstenes é, na verdade, o ponto culminante de uma reversão de curso. Por vários anos, acusações de corrupção choveram contra o PT e seus aliados. Desde o ano passado, porém, elas se têm dirigido também contra a oposição. Deixo claro, desde já, que não avalizo nenhuma denúncia; sei que há órgãos com a competência, ou jurídica ou técnica, para saber quais procedem e quais não. Não é meu caso. Apenas posso notar o impacto das acusações sobre a opinião pública. Ora, o fato é que na campanha de 2010 a candidata Dilma Rousseff acusou de malfeitos um antigo executivo do Rodoanel, em São Paulo; depois, saiu o livro "A Privataria Tucana", que acusa o ex-governador José Serra de envolvimentos ilícitos; e, agora, vemos cair o senador de Goiás, que era a voz mais ativa da oposição no Parlamento. Evidentemente, os acusados se declaram inocentes. E podem sê-lo. Mas assistimos a um movimento que antes não existia. De 2004 a 2009, a oposição reinou sozinha nas denúncias de corrupção. Nos últimos dois anos, porém, a esquerda começou a acusar líderes tucanos e demistas. A queda do senador é o efeito até agora mais claro dessa mudança nos papéis de acusador e acusado.

Ou seja, durante uns cinco anos, os defensores do governo evitavam a questão da corrupção. Esta, que fora tema essencial do PT na oposição, tornou-se assunto delicado, para ele, uma vez no governo. Desde o caso de Waldomiro Diniz - ironicamente, tendo como interlocutor o mesmo Carlos Cachoeira que hoje é a chave do noticiário contra a oposição - os partidos governistas minimizaram a importância da corrupção, contestaram as intenções de quem a denunciava, disseram que todos faziam isso e/ou encontraram suas causas nos modos de financiamento das campanhas políticas. Desses argumentos, o que aponta os vícios de nosso sistema partidário pode ser correto. Mas todos eram alegados com incrível mal-estar. Contudo, no último ano, os partidos do governo obtiveram munição para discutir no próprio campo adversário. Saíram da defensiva e passaram ao ataque. Nos primeiros embates, não chamaram maior atenção. A oposição continuou a denunciar, satisfeita de encontrar nos ministérios alvos que não eram cândidos. Porém, desde o livro do jornalista Amaury Jr., a situação começou a mudar. Repito que não endosso suas palavras. Apenas observo que o PSDB ainda não aproveitou a chance de responder sistematicamente a seus ataques, com uma refutação, item por item, cabal, do que ele disse.

O livro em questão pode ser contestado. O incontestável é a proximidade do senador com uma pessoa que os jornais não se pejam de chamar de criminoso. Essa se torna uma vitória dos partidos governistas no campo mesmo para o qual a oposição levou o debate político, o da corrupção nos negócios públicos. O que exige, da oposição, que tente devolver a discussão sobre os rumos do Brasil para projetos de país. Se assim agir, o escândalo terá feito bem a nossa vida política.

Contudo, não se pode dizer que o lado governista ganhou a contenda. Venceu a batalha, mas a guerra... A má fama dos políticos acaba afetando a todos. Converso muito com pessoas que não conheço, das mais variadas classes. Mesmo que eu não levante a questão política, ela surge. Noto um descontentamento com todos os partidos. Na verdade, a acusação de corrupção domina quase toda a vida republicana no Brasil. A República Velha, Getúlio, a democracia de 1946, a ditadura militar e a democracia de 1985, todas elas, tiveram por mais constante tema de crítica política a corrupção. Houve algumas exceções. A mais recente foi o PT, até chegar ao poder e, navegando em seu vácuo, o PSDB, também até a Presidência. Desde então, vivemos num país desapontado com os políticos e, em decorrência, com a política. Essa, a derradeira má contribuição do senador Demóstenes: deixar-nos ainda mais blasés.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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