É melhor entender a entrevista da presidente Dilma Rousseff a Veja como a última página do primeiro ano de governo e não a primeira do segundo ano, ainda sob os efeitos do presidencialismo de coalizão. Que, na verdade, se explica por si mesmo, mas não resolve a contradição maior entre os seus termos. Ou bem um, ou melhor a outra. A parolagem não passa de arranjo de ocasião. É indispensável respeitar as palavras. E, como válvula de interesses indefensáveis, o presidencialismo se envenena com o que se passa dentro do próprio gabinete presidencial.
Ela própria, a presidente, não se vacinou mas, pisando em ovos, conviveu com o vírus da dificuldade institucional por 15 meses. A entrevista, que foi a prova oral na passagem ao segundo ano do seu mandato, pode – sem favor – ser considerada, até agora, a melhor de todas. Mesmo sem garantir a redução da distância entre as palavras e os atos do seu governo.
Ao fim e ao cabo, como em bom português se arremata o que se pensa, o que se apresenta como presidencialismo de coalizão tende cada vez mais a criar oportunidades de fomentar crises de relacionamento. Por baixo do pano, esse presidencialismo tem um viés que o distancia a passos largos do objetivo alegado e, cada vez mais, caracteriza o que se assiste como prática de bullying nas relações turbulentas entre a representação política e o Poder Executivo. Pois tal presidencialismo de ocasião já não engana, de vez que não passa de mecanismo de pressão interna, com requintes mórbidos para intimidar a primeira presidente da República com sombras do passado.
A coalizão por baixo veio a ser a maneira de identificar a presidente com a sombra do seu antecessor e a reeleição com o pecado mortal de plantão na República. À reeleição cabe o papel da maçã, que o próprio Lula, fantasiado de Adão, terá à mão . Só falta escolher quem fará a serpente.
A coalizão de interesses convergentes e divergentes não passa de fantasia para disfarçar - à esquerda e também à direita – o que se esvaziou de sentido social e reforçou a promiscuidade de tendências dispostas a qualquer negócio. Claro, tudo em nome e no interesse do salvo-conduto que se pagou para chegar à democracia pelo caminho mais longo. Fundada sobre a quantidade de partidos, sem considerar a qualidade política de cada um, cada vez a governabilidade deixa mais a desejar.
Ainda sem a definição do método conhecido popularmente como toma lá, dá ca, iniciou-se, à sombra desta governabilidade, o presidencialismo de circunstância que bafejou a República, mas só depois, como um dia ficará demonstrado, juntaram-se eufemisticamente a fome e a vontade de comer sob a proteção do presidencialismo de coalizão. Com Fernando Henrique se esboçou a parceria de convivência e, com Lula, se expandiu o presidencialismo paleolítico, em nome da governabilidade, mas com muito menos resultados do que prometia. Criou-se o mensalão. O presidencialismo de ocasião caiu no colo da presidente Dilma e bem pode ser a esfinge do seu primeiro mandato: decifre-a sem demora ou é certo que não haverá segundo mandato com o refrão do toma lá, dá ca.
O primeiro ano do governo Dilma Rousseff não correspondeu ao que ela queria e os brasileiros esperaram. O saldo foi a defenestração de oito ministros, uma proeza republicana histórica. Como não há efeito sem causa, Lula já se contenta em parecer patrono da prática que precedeu a teoria mas, à medida que as conseqüências se multiplicaram, pelo menos o nome de batismo ficou impróprio: Presidencialismo de coalizão é o o fim da picada . Dá ca, toma lá, passou a ser um jogo perigoso que recorre, fagueira e impunemente, ao sadismo do bullying em nível presidencial.
Jornalista
FONTE: JORNAL DO BRASIL
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