Eu só fui entender o verdadeiro sentido da palavra impacto quando, desembarcando da França, cheguei à cidade de Colônia, na Alemanha, e me vi estatelado diante daquele esplendor: a catedral toda de negro vestida, imensa, tocando quase no céu, ali estava, plantada à minha frente, à saída da estaçãozinha de trem. Uma muralha de fé aquela Catedral.
Começava para mim uma vida nova, que iria me conduzir a vários pontos da Alemanha, um país então ainda marcado pela guerra. Muitos brasileiros vivam em Colônia naquela época – início dos 70 – e, acredito, gostavam da dia a dia na cidade.
Formado por pessoas da melhor qualidade, o nosso grupo de Colônia era para lá de bom. Senão vejamos. Leandro Konder, Oswaldo Peralva, José Arthur Poerner, João Marschner, Samuel Yavelberg, Wambier, apenas para citar alguns. Era um grupo excelente e também muito unido. Quase todos nós tínhamos sido tocados do Brasil pela ditadura e fazíamos das tripas coração para sobreviver na Alemanha. Samuel era fotógrafo. Poerner trabalhava na Rádio oficial, a Deutsche Welle. Marschner era correspondente do Estadão. Tinha a turma que se virava na fábrica, como Paulão e eu, improvisado de operário numa grande gráfica, onde labutava doze horas por dia, das 18h às 6h do dia seguinte.
Leandro Konder, que dava aulas e trabalhava para a revista Visão, era um dos mais animados do grupo. Figura sempre afável e modesta, Leandro costumava embalar as noites frias da Alemanha com um quentíssimo samba-enredo, que compusera em parceria com Carlos Nelson Coutinho. Com voz afiada, cantava a letra do samba – intitulado, muito apropriadamente, O proletariado é o herdeiro da filosofia clássica alemã, se não me trai a memória -, um verdadeiro primor, que nada ficava a dever ao saudoso Stanislaw Ponte Preta. Ao que parece, a melodia era plágio de um samba famoso, mas deixa pra lá. Vamos ao que nos une, isto é, à letra do samba:
“Quando veio a burguesia,
O velho Kant se pôs a filosofar
E chegou um belo dia
A elaborar
O seu
idealismo racional,
Onde a gnoseologia
Não juntava com a moral.
Mesmo sendo uma tremenda antinomia
Fez-se um progresso na filosofia”
E o belo refrão:
“O proletariado não quer
Perder de vista esta lição:
A experiência do idealismo
Clássico alemão ”
E o samba continuava, firme no compasso:
“Hegel foi quem resolveu esse problema,
Uniu a Lógica e a História
Numa grande ontologia,
Que fez sua glória.
Ao seu idealismo genial
Dinâmico e totalizante
Mais profundo que o de Kant
Só faltava a dimensão materialista
Que lhe daria a práxis marxista”
Como se vê, um samba dialético e uma herança para proletariado nenhum botar defeito. E, de quebra, endoidar qualquer alemão, também.
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