A novidade do último pacote não foi a Fazenda ajudar a indústria automobilística a limpar seu pátio dos encalhes dos últimos meses. Isso já se esperava. O espanto é que agora até o Banco Central formata medidas de acordo com o desejo das montadoras. Liberou R$ 18 bilhões de compulsório apenas para aumentar o financiamento de veículos. Como o BC sabe, essa carteira teve um aumento de 162% de atrasos acima de 90 dias nos últimos 15 meses.
Se a oferta é maior do que a demanda, o preço tem que cair para que o fabricante e os revendedores se livrem do estoque, certo? Essa lei básica, da oferta e da procura, não funciona no Brasil quando o assunto é carro, porque se o pátio está cheio o Tesouro abre mão de impostos. Agora, além da política tributária, a política monetária também se curva ao desejo da indústria automobilística.
Como todos sabem, esse setor é uma cadeia, e quando ele cresce ou para afeta vários outros setores da economia. Numa emergência, como em 2008, era fácil entender o motivo que levou o governo a agir. Mas agora não faz sentido algum, principalmente porque este é o sétimo pacote do mesmo gênero que tem como centro o que as fábricas de carros querem.
O governo reduziu o investimento público em 2012 em relação ao ano passado. A indústria como um todo tem diversos problemas, alguns decorrentes do baixo investimento em infraestrutura, que onera custos em todas as cadeias. Isso é deixado de lado por mais um curativo destinado ao mesmo paciente.
O transporte de passageiros é um grande responsável pelas emissões de gases de efeito estufa, e é ele que está sendo incentivado sem qualquer exigência feita à indústria por motores mais eficientes, menos poluentes. Que não diga o governo que o imposto cai mais para os carros flex. Isso não cola. A indústria do etanol está em crise e não tem sido capaz de atender à demanda. O que aumenta assustadoramente é o consumo de gasolina, como mostramos ontem num gráfico publicado aqui: 76% de aumento de maio de 2009 a fevereiro de 2012 (vejam no meu blog).
Mesmo se a opção for incentivar o carro para puxar a economia, o governo tinha formas mais inteligentes de fazer, como fez o governo americano. Nos Estados Unidos, a indústria foi empurrada para o desenvolvimento de carros elétricos ou outras opções de baixo carbono.
No mercado de veículos, o estoque de dívidas com atrasos nos pagamentos acima de 90 dias já está em R$ 10,5 bilhões. Há 15 meses atrás, era R$ 4 bilhões. As dívidas com pelo menos 15 dias de atraso já somam R$ 25,15 bilhões. Ainda assim, o governo aumenta a oferta de crédito e incentiva mais a acumulação de dívidas. O endividamento sobre a renda aumentou 133% de janeiro de 2005 a fevereiro de 2012. Era 18,4% da renda anual e agora é 42,9%. Claro que isso é o estoque da dívida, e, portanto, será pago em prazo maior do que um ano.
A renda comprometida com o serviço da dívida já chega a 22%. O governo acha que é baixa, mas o mesmo indicador da economia americana, em 2008, apontava 14%, segundo o economista José Júlio Senna, da MCM consultores. E a nossa taxa está assim mesmo com aumento da renda, alongamento das dívidas e queda dos juros. O brasileiro está ficando com menor renda disponível pelo excesso de dívidas, e num momento em que houver dificuldade no mercado de trabalho e a renda não crescer haverá problemas. O BC deveria olhar isso, mas o órgão está sendo cada vez mais uma estação repetidora da Fazenda.
Aos erros de conjuntura se junta a omissão de médio e longo prazos. Não há qualquer movimento para uma redução da carga tributária, nem mesmo para tornar menos complicado o pagamento de impostos. Não há investimento para tornar a logística menos onerosa. Não há incentivos para a conversão da economia para o padrão de baixo carbono, que será exigido nos grandes mercados nos próximos anos. Foram dados apenas passos pequenos e temporários na desoneração da folha salarial.
O custo de insumos como energia e comunicação é muito alto, e o governo tem reclamado como se não fosse com ele. Juntou-se a quem reclama. Mas o que eleva o preço da energia é a taxação excessiva. No caso da comunicação, o governo promete reduzir os impostos dos estados e não as taxas federais.
Não há nesse pacote nenhum sinal de que os fatores estruturais serão enfrentados. E são eles que tiram a competitividade da economia. Tanto é que mesmo com uma alta de 24% do dólar em um ano, até segunda-feira, a indústria continua com baixo crescimento. Não era, portanto, a competição com o produto importado. Era perda de competitividade por todos os gargalos já conhecidos e não enfrentados pelo Brasil.
O mundo vive a terceira revolução industrial, lembrou a revista "The Economist". A primeira ocorreu no século XVIII, com a mecanização da indústria têxtil. A segunda, no começo do século XX, foi liderada pela indústria automobilística, mais precisamente por Henry Ford, com a linha de montagem da produção em massa. A terceira é digital. Um número impressionante de inovações tecnológicas propiciadas pela era digital tem que estar incorporado ao modo de produção. Essa nova era terá que ser necessariamente de produção de baixo carbono. O mundo se move na direção da criação de um imposto sobre carbono - um passo precursor disso foi a decisão da Europa de cobrar imposto sobre as emissões dos aviões que pousam lá. Era esse tipo de tendência que se esperava que o governo estivesse olhando, mas ele olha apenas para o pátio cheio das montadoras.
FONTE: O GLOBO
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