Quando João da Costa, prefeito de Recife e pré-candidato a reeleição, recebeu de Rui Falcão, presidente nacional do PT, a notícia de que a executiva do partido iria lançar como candidato a prefeito daquela capital o senador Humberto Costa, ele sentiu na pele os efeitos da chamada Lei de Ferro da Oligarquia.
O que todos os partidos, grandes e pequenos, têm em comum é o fato de que em todos eles um pequeno número de lideranças controla as decisões estratégicas. Conforme o sociólogo Robert Michels, na sua análise sobre o Partido Social Democrata alemão feita em 1911, quem diz organização diz oligarquia. Para Michels em qualquer organização partidária uma minoria de líderes vai acabar por impor sua vontade sobre os demais membros. É a Lei de Ferro da Oligarquia.
A Lei de Ferro se faz sentir na imposição da estratégia eleitoral. Em todos os partidos brasileiros as lideranças nacionais (oligarquias partidárias) podem reverter decisões de instâncias inferiores. Em alguns partidos isso é mais fácil que em outros (como mostrado pelo Valor em matéria do dia 25/8/2011), mas todos os partidos contam com dispositivos que dão enorme poder às suas lideranças.
Lei se faz sentir na imposição da estratégia eleitoral
Antes de João da Costa outros membros do PT também sentiram o efeito da famosa lei, como Vladimir Palmeira, o candidato escolhido por convenção para disputar a eleição para governador do Rio de Janeiro em 1998, que teve que abrir mão de sua candidatura para que o PDT de Brizola viesse a apoiar a candidatura de Lula à Presidência.
Mas não é só no PT que as intervenções ocorrem. As lutas entre Paulo Maluf e Celso Russomano, até a saída deste último do PP, eram resolvidas por meio da intervenção da executiva nacional. O Democratas, quando ainda se chamava PFL, dissolvia diretórios para atrair novas lideranças, como fez em Goiás em 2006 quando entregou esta regional para Ronaldo Caiado. As disputas no PDT, desde a expulsão de Marcello Alencar, passando pela saída de Cesar Maia e de Anthony Garotinho e chegando aos expurgos em São Paulo em 2008, mostram a força da direção nacional. O poder da oligarquia do Partido Verde se fez sentir quando da saída de Marina Silva e seus 20 milhões de votos.
Antes que se pense que os efeitos da Lei de Ferro da Oligarquia se faz sentir entre nós porque nossos partidos são menos "institucionalizados" que os de países desenvolvidos, é bom lembrar que na Inglaterra Ken Livingston, escolhido pelas prévias para ser o candidato trabalhista nas primeiras eleições diretas para prefeito de Londres em 2000, foi preterido por meio de uma manobra que deu mais peso aos votos das lideranças partidárias que preferiam um candidato mais moderado. No final Livingston se lançou como candidato independente e venceu as eleições.
Na Alemanha o Partido Verde, que nasceu com um discurso que condenava a oligarquização dos partidos e que tinha como plataforma política o pacifismo e a preservação do meio ambiente, votou a favor da intervenção armada da Otan em Kosovo apesar da maioria de seus membros se opor à medida. A liderança nacional conseguiu impor sua vontade para preservar a aliança vermelho-verde que os manteve no poder, junto com os sociais-democratas, de 1998 a 2005.
Esses exemplos constituem uma pequena amostra do poder das oligarquias partidárias. Eles mostram que a Lei de Ferro da Oligarquia independe de ideologia ou do grau de desenvolvimento da organização.
Em junho os partidos selecionarão os seus candidatos a prefeito. Esta seleção não pretende ser uma amostra representativa da população como um todo - há menos mulheres candidatas do que a proporção de mulheres na população, por exemplo - e também não é pensada para ser um apanhado dos brasileiros mais capacitados para dirigir nossas cidades. A seleção de candidatos é um reflexo das estratégias adotadas pelos partidos para conquistar e se manter no poder.
Para entender a política neste mês de junho devemos estar atentos às estratégias nacionais dos partidos grandes e às estratégias locais dos pequenos, sabendo que quem formula estas estratégias é sempre um pequeno número de lideranças, uma oligarquia, que quer, antes de tudo, preservar seu poder.
Esse poder das lideranças é visto por muitos analistas como arbitrário e antidemocrático. Mas e se ocorresse o contrário? E se as lideranças locais pudessem ir contra as decisões tomadas pela direção do partido? Neste caso a própria organização partidária perderia o sentido de ser. Em cada município o partido agiria de uma forma, não haveria unidade partidária.
Uma das maiores críticas que se faz a nosso sistema eleitoral é justamente a de que ele gera incentivos para que os políticos ajam de forma individualista. Conforme estes críticos os partidos seriam incapazes de controlar seus membros. A proposta de adoção da lista fechada nas eleições proporcionais seria uma maneira de atacar esse problema. A ideia da verticalização, imposta pela justiça eleitoral nas eleições de 2002, também tinha como objetivo limitar a autonomia das instâncias regionais dos partidos.
O que esses críticos deixam de perceber é que as oligarquias partidárias já possuem o poder de limitar a autonomia dos membros do partido. É estranho ver quem apoia a verticalização, a lista fechada e outros instrumentos que visam fortalecer ainda mais as lideranças partidárias, ao mesmo tempo lamentar quando estas lideranças exercem seu poder.
Para o bem ou para o mal é assim que a democracia vem funcionando em todos os países. E é por isso que não deveria nos surpreender o fato de uma liderança como Lula ter imposto o candidato a prefeito de seu partido na maior cidade do Brasil.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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