No 11º dia do julgamento do mensalão, o relator, ministro Joaquim Barbosa, votou ontem pela condenação do ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Votou também pela condenação de Marcos Valério, operador do mensalão, e de Cristiano Mello Paz e Ramon Hollerbach, sócios de Valério na agência SMP&B, por corrupção ativa e peculato. Mais uma vez o plenário foi palco do embate entre Barbosa e o revisor do caso, ministro Ricardo Lewandowski. Barbosa queria que a votação fosse por blocos, e Lewandowski, por réus. A proposta de Barbosa saiu vitoriosa.
O 1º voto do relator do mensalão
Barbosa pede a condenação de João Paulo Cunha, Marcos Valério e sócios da SMP&B
Carolina Brígido, André de Souza
BRASÍLIA O relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, votou ontem pela condenação do ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Votou também pela condenação de Marcos Valério, operador do mensalão, e de Cristiano Mello Paz e Ramon Hollerbach, sócios de Valério na agência de publicidade SMP&B, por corrupção ativa e peculato. A SMP&B prestava serviços à Câmara dos Deputados. Apenas ontem, 11º dia de julgamento, o Supremo Tribunal Federal começou a tratar do destino dos réus. A votação continua segunda-feira, com os votos dos demais ministros sobre essa parte da denúncia. Em seguida, o relator lerá a segunda parte de seu voto.
Segundo Barbosa, João Paulo recebeu R$ 50 mil da agência e, em troca, direcionou licitação da Câmara para que a SMP&B fosse vitoriosa. João Paulo também teria autorizado subcontratações: a agência repassava o serviço a terceiros e ficava com a maior parte dos honorários. Ao todo, a SMP&B teria recebido R$ 10,9 milhões dos cofres públicos, mas os serviços prestados diretamente por ela foram de apenas R$ 17 mil. A troca de favores configura corrupção ativa para os sócios da SMP&B, que efetuaram o pagamento, e corrupção passiva para João Paulo, que recebeu o dinheiro, segundo o relator. Como a quantia foi paga de forma velada, sem registros formais, o deputado petista também foi enquadrado na prática de lavagem de dinheiro.
- O pagamento dos R$ 50 mil foi um claro favorecimento privado, em benefício próprio de João Paulo Cunha, uma vez que lhe cabia, no exercício do cargo, constituir a comissão de licitação, autorizar licitação e autorizar gastos com terceiros. A agência prestou serviços ínfimos em comparação ao montante recebido. Restam caracterizados os crimes de corrupção ativa, atribuído a Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach e de corrupção passiva, atribuído a João Paulo Cunha - afirmou Barbosa.
O peculato - quando alguém se vale de cargo público em benefício próprio ou de outros - ocorreu, segundo o relator, em duas situações: a primeira nas subcontratações, que representaram desvios milionários dos cofres públicos em benefício da SMP&B. A segunda, quando a agência de publicidade subcontratou a empresa IFT para prestar assessoria pessoal ao petista.
Barbosa começou o voto com a gênese do suposto esquema, os desvios de recursos públicos da Câmara dos Deputados. Segundo o ministro, os empresários se aproximaram do petista porque tinham interesse em firmar contratos com órgãos públicos federais. O relacionamento da SMP&B com Cunha começou no fim de 2002. A empresa cuidou da campanha do deputado à presidência da Câmara e, no ano seguinte, os encontros continuaram acontecendo.
Segundo o voto de Barbosa, em 4 de setembro de 2003, a mulher de Cunha, Márcia Regina, foi até uma agência do Banco Rural para receber R$ 50 mil em espécie, valor oriundo da SMP&B. Onze dias depois, João Paulo autorizou a instalação de uma comissão para preparar a licitação. A empresa venceu a concorrência e foi contratada pela Câmara em 31 de dezembro de 2003. A partir de janeiro de 2004, o presidente da Câmara teria autorizado a contratação de terceiros por meio da SMP&B, dando à empresa honorários sobre essas operações.
- Vejam a natureza fraudulenta da licitação que levou à contratação da empresa SMP&B. Ela foi contratada após o pagamento de R$ 50 mil a João Paulo Cunha. Contratada a agência, João Paulo autorizou gastos com terceiros por meio da agência. A despesa alcançou R$ 10,9 milhões. Sobre esse montante, a agência retirava honorários que garantiram a remuneração dos sócios por um ano sem nenhuma contrapartida - afirmou Barbosa.
Os advogados do parlamentar alegam que o dinheiro foi enviado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, para custear a pré-campanha do partido em Osasco, na Grande São Paulo. Barbosa refutou a tese. Argumentou que a mulher de Cunha assinou um recibo no Banco Rural. O documento informava que o dinheiro vinha da SMP&B. O relator sustentou que, se Delúbio quisesse mandar dinheiro para o PT em Osasco, não teria recorrido a uma agência bancária em Brasília nem teria feito isso um ano antes do período eleitoral:
- Não havia dúvida de que o dinheiro não era do PT nem de Delúbio Soares, mas que vinha de agências de Marcos Valério. As provas conduzem ao entendimento de que o réu sabia da origem dos R$ 50 mil e aceitou a vantagem ilícita.
Barbosa contou que, por dois anos, o nome do sacador do dinheiro foi mantido em sigilo pelo Banco Rural. A instituição apresentou recibo em nome da SMP&B. Dois anos depois, quando foi pedida a busca e apreensão de documentos no banco, o nome do beneficiário foi revelado.
- Está demonstrado que o réu dolosamente utilizou sofisticado serviço de lavagem de dinheiro, operacionalizado através das contas bancárias das empresas de Marcos Valério, para receber os R$ 50 mil. Tudo permaneceu na maior clandestinidade até que as medidas de busca e apreensão revelassem os atos. Dessa forma, tenho como caracterizado o crime de lavagem imputado ao réu João Paulo Cunha.
O relator disse que ficou comprovado que a empresa da qual Valério é sócio teve lucro milionário com as subcontratações. A praxe era o recebimento de 5% dos valores terceirizados. Por conta disso, a SMPB costumava superfaturar os preços pagos às demais empresas.
O ministro deu exemplos de empresas subcontratadas e destacou a IFT, do jornalista Luiz Costa Pinto. Segundo Barbosa, ele prestava assessoria a João Paulo e não à Casa, como alegou o réu.
- Houve dolo na subcontratação por parte de João Paulo Cunha? A resposta para mim é positiva. Não há como afastar benefício pessoal resultante da contratação de Luiz Costa Pinto, sem precisar pagar o alto preço cobrado pelo assessor, R$ 21 mil por mês em 2003 - afirmou o relator.
FONTE: O GLOBO
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