José Weber Holanda, ex-número 2 da Advocacia-Geral da União (AGU) vazou documento interno do órgão para Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas e apontado como o chefe da máfia dos pareceres, três dias antes da publicação. É o que mostram escutas inéditas da Operação Porto Seguro, interceptadas pela PF, informa Fausto Macedo. Os textos abriam caminho para que empresa ligada ao ex-senador Gilberto Miranda conseguisse autorização para erguer empreendimento na Ilha de Bagres, em Santos
Grampo revela como grupo encomendou, revisou e depois festejou texto de parecer
Fausto Macedo
Escutas da Operação Porto Se¬guro da Polícia Federal revelam que o grupo acusado de comprar pareceres de órgãos públicos encomendou e teve acesso privilegiado a um documento da Advocacia-Geral da União (AGU) três dias antes de sua publicação. A elaboração do texto, que atendia a interesses do empresário e ex-sena¬dor Gilberto Miranda, teve a in¬fluência do então número 2 do órgão, José Weber Holanda.
Uma série de telefonemas e e-mails interceptados pela PF entre 14 e 16 de novembro flagra o momento em que Weber diz ter ""convencido" o consultor-geral da União a redigir parecer que beneficiaria o grupo. Em outros diá¬logos, ele passa dados internos sobre a elaboração do documento a Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), integrante da organização desmontada pela Porto Seguro.
O texto a que o grupo teve acesso com antecedência foi assinado pelo consultor-geral da União, Arnaldo Sampaio Godoy, e subscrito pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. É datado do dia 17 de novembro. O parecer abriria caminho para que uma em-presa ligada a Miranda recebesse autorização para construir um empreendimento portuário de R$ 1,65 bilhão na Ilha de Bagres, em Santos, litoral paulista.
Os telefonemas gravados pela PF mostram que a quadrilha co¬memorou ao receber de Weber a notícia de que o documento seria elaborado pelo consultor-geral.
Os diálogos revelam ainda os bastidores e a rapidez do trâmite dos procedimentos que atendiam aos interesses da organização.
O expediente que abriu caminho para o empreendimento de Miranda foi concluído em apenas 48 horas. O consultor-geral despachou um parecer em que direciona à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), e não à Presidência da República, a competência para decretar a essencialidade ou a utilidade pública do por¬to - o que seria necessário para a sua construção.
O documento assinado por Godoy circulou pelos endereços eletrônicos da organização sob suspeita da PF antes mesmo que ele o despachasse formalmente. Gilberto Miranda recebeu o arquivo e demonstrou satisfação ao perce¬ber que os interesses do grupo se-riam atendidos. "Nota 10", ele diz a Paulo Vieira.
Encomenda. Para agilizar a construção do porto, a quadrilha queria que a AGU determinasse que a Antaq seria a responsável por editar um decreto de essencialidade ou utilidade pública pa¬ra o empreendimento - medida que permitiria a derrubada de parte da vegetação da Ilha de Bagres.
O grupo acreditava que pode¬ria manipular o processo com mais facilidade na Antaq, onde estavam alojados personagens liga¬dos diretamente à organização, segundo a PF. Um dos diretores da agência era Tiago Pereira Lima, um dos 24 denunciados pela Procuradoria da República, que foi encontrado por policiais fede¬rais dormindo no escritório de Gilberto Miranda, em São Paulo.
No dia 14 - portanto três dias antes de o consultor assinar seu parecer - a quadrilha já sabia que os interesses das empresas liga¬das a Miranda seriam atendidos.
Às 17h37, José Weber Holanda liga para Paulo Vieira, braço direito de Gilberto Miranda. "Consegui, acho, que convencer meu amigo aqui, Arnaldo, tá?", anun¬cia Weber. "Ele levou e diz que vai arrumar", completa.
Paulo responde: "Putz, We¬ber, você não sabe como é que me deixa feliz."
Às 17h40, Paulo telefona para Gilberto Miranda. "Tá sentado? Você não sabe da maior. O consultor da União se manifestou a favor nosso, tá?" Miranda empolgou-se; "Notícia boa!"
No dia 16 de novembro, às 16h32, Weber Holanda liga para Paulo comunica que lhe enviou por e-mail uma cópia do parecer do consultor-geral. "Eu quero que você leia, veja se está bom. Está até assinado, já", sugeriu.
Paulo liga para Gilberto Miranda e o informa sobre o êxito da empreitada. "Pra você aprender a confiar em mim. Eu já tô no meu e-mail, tá vendo? Assinada, bicho. E assinado pelo próprio consultor-geral. Moral da história: aqui já era, viu?"
O ex-senador quer saber de Vieira quando "o outro (Adams) " assina. "O outro não vai questionar, não", responde Paulo. "Ele é o consultor do outro. Segunda¬-feira, mas a versão assinada já está comigo. A versão do Arnaldo já despachou. Eu já tenho a versão assinada pelo Arnaldo."
Miranda pede a Paulo que envie a ele o parecer do consultor. Às 19h47, Paulo retransmite o e-mail de Weber, com o parecer de Arnaldo Godoy. Em novo telefonema, Paulo avisa o ex-senador que já enviou o e-mail.
"Você acha que até segunda o homem assina?", insiste. Miranda. "Assina, Gilberto. Ele (Godoy) é consultor do advogado-geral. O que escreve o advogado assina, tá? A partir de agora ninguém vai questionar aquilo."
O parecer elaborado pelo consultor-geral abria espaço para que a Antaq, e não a Presidência da República, editasse o decreto de utilidade pública para beneficiar o porto. Como a ilha é área de preservação ambiental, o ter¬reno só poderia sofrer modificações mediante um decreto que atestasse a essencialidade ou a utilidade pública do empreendi¬mento a ser construído.
Não há nos autos da Porto Se¬guro suspeitas sobre a conduta do consultor-geral da União nem que ele tenha tomado a iniciativa de liberar sua manifesta¬ção aos integrantes do grupo.
Em seu parecer, ele afirma taxativamente que "a declaração de essencialidade com efeito de utilidade pública", que o empreendi¬mento da Ilha de Bagres buscava, tem como objetivo "autorizar a supressão de vegetação" e, por¬tanto, "possibilitar a execução de obras em áreas abrangidas pelo bioma Mata Atlântica". O parecer de Godoy foi chance-lado no dia 19 por Luís Inácio Adams, advogado-geral da União.
A PF ainda apreendeu cinco ofícios de Weber endereçados em tempo recorde a autarquias federais responsáveis pelo caso, naquele mesmo 19 de novembro.
O ex-número 2 da AGU invoca Adams nas correspondências em que manda cópia do parecer 10/2102 ao chefe de gabinete da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, à chefe de gabinete do Ministério dos Transportes, à chefe de gabinete do Ministério do Meio Ambiente, à chefe de gabinete do Ibama, e ao chefe de gabinete da Secretaria de Portos.
"Incumbiu-me o exmo. sr. advogado-geral da União de encaminhar a Vossa Senhoria cópias do parecer 10/2012, bem como do competente aprovo ministerial, para conhecimento dessa Pasta", escreveu Holanda.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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