Estará redondamente enganado quem insistir em não ver que nada de razoável se pode esperar do país que se aproxima da última fronteira da democracia, sem se dar conta do perigo: sem sinal de vida na oposição (e na contramão da história), a volta ao ponto de partida toma a feição de fatalidade. Mais uma.
Afinal, atravessamos com saldo insuficiente a etapa subentendida como social-democrática e outra petista, igualmente frustrantes para quem esperava mais de ambas, e não do mesmo. Qual seja: sem o cidadão se dar conta de viver um círculo vicioso que o devolve ao ponto de partida e o condena ao eterno recomeço como destino. É hora de repensar.
Pois por aí, acorrentados a um círculo vicioso, três dezenas de partidos políticos ainda não se fartaram do indigesto equivoco de aproveitar a oportunidade como se a solução obsoleta ainda se aplicasse. Os insatisfeitos com as benesses do mandato cogitam abertamente de outra fornada de partidos de ocasião. Já é provocação.
Não é por acaso que os partidos políticos, suficientemente desgastados, passaram a ser referidos, nos meios de comunicação, como siglas que soletram menos do que o próprio nome. Será o fim da picada se o que está por trás não vier a ser indício de que algo ainda pior está à espreita. Afinal, os cidadãos são a mão de obra de que as democracias dispõem. E eleições oferecem a oportunidade. Crises, tanto faz, sejam econômicas ou políticas, espreitam o baixo custo da moralidade (pelo menos) pública. Mais de trinta partidos políticos entorpecem o regime representativo, agravado pela carência de uma oposição vigorosa e, como popularmente se diz, sem rabo preso. Não faz sentido político acreditar que, sem a sintonização com a moralidade pública, qualquer sistema de governo possa durar mais do que a oportunidade de mostrar a que veio. E deixar se fartarem seus beneficiários, diretos e indiretos.
A sucessão se aproxima como nuvem de gafanhotos, com significado de precursores de outras pragas, e já não há como acreditar que duas candidaturas, oriundas do mesmo interesse continuísta, venham a ser mais bem sucedidas do que a saudável renovação pelas urnas. Um dos dois pretendentes — um ex e uma presidente em exercício — não terá como se apresentar pela única vaga oficial disponível. Ninguém deixa de ser candidato por vontade alheia. Um (Lula ou Dilma Rousseff) será surpreendido e o outro viverá sensações que só a alta política, mesmo quando joga baixo, pode proporcionar.
O gargalo em que se meteu a experiência proporcionada, com êxitos e maltratadas esperanças, a partir da Constituição de 1988, levou à ilusão de alguma solução sobrenatural, capaz de reforçar a candidatura única oficial. São candidaturas para guardar lugar, a de Dilma e a de Lula, como se não fossem apenas para tapar o sol com peneira. Na metade do primeiro mandato presidencial de Dilma Rousseff, o ex-presidente em exercício de ociosidade e a presidente que atira em todas as direções (sem acertar os alvos) acumulam duas candidaturas no espaço vazio onde a oposição rarefeita mal respira. Não foi levado em conta o imprevisível.
A candidatura de Dilma Rousseff à reeleição não conta com o petismo atuante por trás dos fatos e vive do palavrório de Lula, sem considerar o peso indisfarçável da classe média propriamente dita. E sem perceber, por trás da confusão, o patrocínio social-democrata confiado à própria falta de sorte dessa corrente de opinião deixada para trás pela História. Classe média e democracia são outra fatalidade a se consumar. Questão de oportunidade, inclusive esta, embutida na passagem de nível histórico. A classe média não abdica do rigor moral de que o governo Dilma desistiu por precipitação, depois de dar um chega pra lá na largada da sucessão a que Lula se atrelou como carona.
Por enquanto, o próprio pretendente, que atende pelo apelido de Lula, ainda não se habilita a outro esporte que não seja a esgrima doméstica. Padrinho e afilhada, na guarda das prerrogativas de pré-candidatos oficiais, zelam pela sucessão doméstica exclusiva. O resto é supérfluo. Era o que faltava e, se vier a ocorrer a inevitável candidatura realmente oposicionista, nem precisará ser razoavelmente de esquerda. O socialismo está fazendo curso de extensão para domesticar o capitalismo. Bastará que provenha da oposição, documentada em programa de governo, como folheto de ópera oferecido ao eleitor. Não precisou mais do que o exemplo que o governador Eduardo Campos, com a noção adequada às circunstâncias, vem proporcionando com clareza e senso de oportunidade. Sobretudo, com objetividade e respeito pelos cidadãos.
Em tempo: desde que não seja mais um projeto alternativo do próprio governo Dilma Rousseff, que ainda não confirmou o que começou como alinhamento ético, mas ficou devendo explicações. Não despachou sequer para as calendas gregas a candidatura Lula, que é o bode do mujique com que a presidente Dilma pode esvaziar de riscos marginais o amplo salão da democracia.
O que não pode é o regime democrático murchar como se percebe. Sem a posição falando grosso, a democracia se expõe a uma depreciação acelerada. O sentimento oposicionista, se não for exercido dialeticamente pelos meios próprios, muda de curso como a água que sempre encontra a saída que não fazia parte dos cálculos. Revoluções, tanto as reais quanto as fictícias, têm motivos visíveis e conseqüências imprevisíveis. A hora não é a dos relógios.
Fonte: Jornal do Brasil
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