Caio Junqueira
BRASÍLIA - O partido que a ex-candidata a presidente da República Marina Silva lançou sábado em Brasília propõe uma nova forma de fazer política, mas já recorre a políticos tradicionais para tentar intermediar seus interesses no Congresso Nacional.
O ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, e integrantes do PMDB, por exemplo, já foram procurados para auxiliar a barrar a tramitação de um projeto que pode ser fatal para que a Rede de Marina prospere.
Trata-se do projeto de lei 4.470 de 2.012, que veda a partidos que ainda não tenham passado por uma eleição o direito à repartição do fundo partidário e ao tempo de televisão. Isso mesmo que parlamentares tenham migrado para ele.
O projeto, de autoria do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), foi uma resposta do Congresso à criação do PSD, que desidratou diversas legendas país afora. Só na Câmara, mais de 50 deputados migraram para o partido de Kassab. Suas maiores vitórias, porém, foram decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que reconheceram o direito da sigla ao tempo de rádio e televisão e ao fundo partidário, proporcionais ao tamanho da bancada federal.
Com receio de que novos partidos fossem criados, foi elaborado o projeto de lei de Araújo, do qual Kassab foi grande avalista. Tanto que uma das condições para que sua bancada apoiasse a candidatura de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) a presidente da Câmara era de que o texto fosse aprovado. Em outubro Alves, então líder do PMDB, apresentou um requerimento em que pede urgência na apreciação do projeto. Eleito presidente, a expectativa é de que articule sua aprovação.
Para evitar esse cenário, a Rede delegou a um dos seus fundadores, o deputado Walter Feldman (PSDB-SP), o papel de articular no ambiente político, em especial no Congresso, a não aprovação do texto. "Se esse projeto for aprovado seria um desastre, seria dramático, seria um golpe. Um golpe com certeza", disse ao Valor. Em razão disso, ele iniciará um ciclo de conversas com lideranças partidárias no Congresso. Já conversou inclusive com Kassab, de quem foi secretário municipal, e com Araújo. "Falei que o partido novo é um movimento que parte da sociedade, que não pode ser barrado. Que não pode haver uma barreira imposta por quem tem interesses específicos que é exatamente a manutenção das suas estruturas." Segundo ele, não houve sinalização dos dois. Ele apenas o ouviram "respeitosamente".
Feldman também disse que tentará neutralizar rejeições a Rede. "Vamos não só divulgar esse novo modelo, mas dar início a um processo de articulação política para que tenhamos sucesso em setembro (prazo final de filiações). Isso significa conversar com o Parlamento para que compreenda a necessidade de oxigenar a democracia."
Alguns obstáculos, contudo, já são avistados. O mais evidente deles é que os simpatizantes da Rede no Congresso -Feldmann inclusive- atuaram contra a eleição de Alves e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Não à toa, o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), avalia que a criação da Rede é um estímulo para que o projeto seja aprovado. "Esse lançamento facilita a aprovação, porque ninguém quer criar mais uma oportunidade para dividir tempo de televisão e fundo partidário", afirmou. Disse ainda que a tendência é de que o projeto seja aprovado com uma emenda que estabeleça uma "janela" para troca de partidos. Sem que isso, contudo, afete a distribuição do tempo de TV e do fundo partidário.
Por outro lado, a maior bancada da Câmara é contra o projeto. "Não tem sentido aprovar esse projeto. O que o Congresso precisa é fazer uma ampla reforma política que mexa com todo o sistema. Não podem haver medidas casuísticas que resultem na aprovação de um projeto em cima ou que permitam a criação de partidos em cima da hora e sem programa definido", declarou o líder do PT, José Guimarães (CE).
No sábado, durante o primeiro ato da programação de lançamento da Rede em Brasília, intelectuais da nova legenda deixaram claro a necessidade de rejeitar purismos na política -apesar de todas as críticas feitas ao longo do dia a políticos com histórico ético questionável. Na mesa de debates estavam Ricardo Abramovay, professor de economia da Universidade de São Paulo; Eduardo Viola, cientista político da Universidade de Brasília; Carlos Nepomuceno, jornalista; e a própria Marina.
Coube a Abramovay colocar em questão os grandes desafios da Rede. "Como criar uma sigla a partir de uma tradição em que partidos revolucionários se criam e acabam traindo seus melhores ideais em razão das exigências do realismo político?" Ou: "É possível a formação de coalizões atuando com a ética da convicção ou isso é uma vã ilusão sonhática?" Nas respostas, a redenção à realpolitik. "Não podemos ter a ilusão de sacralização de qualquer organização. Pessoas virtuosas criam instituições virtuosas que corrigem as pessoas quando elas falham. Somos falhos. A sociedade sabe disso. Somos pessoas falhas na busca de uma instituição virtuosa para nos corrigir quando falharmos", disse Marina.
Para Viola, a democracia representativa dos moldes atuais deve ser valorizada. Nepomuceno colocou que o atual modelo político, egresso das revoluções francesa e da independência americana, serviu muito bem ao país, embora esteja em xeque com a chegada da internet.
Fonte: Valor Econômico
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