Na visão de Francisco de Oliveira, a marca do PT na presidência do Brasil é a preocupação – maior do que outros governos – com a redistribuição de renda.
Por: Graziela Wolfart
"O PT não é mais o partido da transformação"
Questionado se o PT manteve um projeto de esquerda ao longo dos 10 anos em que se encontra à frente da presidência da República, o sociólogo Francisco de Oliveira é enfático: “não, de forma nenhuma”. E continua: “o PT não é mais o partido da transformação e, sobretudo, uma transformação já na direção do socialismo. O PT aburguesou-se. O projeto do PT hoje, como o de todos os partidos, é manter-se no poder e ponto”. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o professor aposentado da USP defende que o lulismo continua presente mais do que nunca em nosso país. “A novidade hoje em relação ao primeiro mandato do PT na presidência é que agora Lula pensa que é o rei do Brasil. O lulismo está pior do que no começo, quando Lula pensava ser apenas a preferência dos pobres pelo Partido dos Trabalhadores. Mas agora, com dois mandatos sucessivos e mais a capacidade de eleger a presidente Dilma Rousseff e ainda a capacidade de eleger o prefeito de São Paulo, o lulismo, como se diz em linguagem popular, ‘subiu nos tamancos’”.
Francisco de Oliveira formou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e recebeu o prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas, em 2004. Professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP, ele é autor de diversas obras, entre as quais Hegemonia às avessas (São Paulo: Boitempo, 2010) e A economia brasileira: crítica à razão dualista (São Paulo: Brasiliense, 1972), que no ano passado completou 40 anos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a marca que o governo do PT imprimiu ao Brasil até o momento, passados 10 anos de poder na presidência da República?
Francisco de Oliveira – A marca seria uma preocupação – maior do que outros governos – com a redistribuição de renda. Apesar de que essa redistribuição operada pelo PT é bastante tímida.
IHU On-Line – E ela significa redução de desigualdade?
Francisco de Oliveira – Não, não significa. É apenas a cereja encima do bolo.
IHU On-Line – O PT manteve um projeto de esquerda ao longo desta década?
Francisco de Oliveira – Não, de forma nenhuma. O PT não é mais o partido da transformação e, sobretudo, uma transformação já na direção do socialismo. O PT aburguesou-se. O projeto do PT hoje, como o de todos os partidos, é manter-se no poder e ponto.
IHU On-Line – Como seria um projeto de esquerda, em sua opinião?
Francisco de Oliveira – É difícil definir em termos práticos. Em termos mais abstratos, significa sempre dar maior poder à classe trabalhadora. Não é transformar o Estado em uma ditadura do proletariado, mas fazer com que o poder da classe trabalhadora se reflita e se expresse mais nas decisões do governo. O PT não fez isso.
IHU On-Line – O que o PT podia ter feito, mas não fez, pelo Brasil nesses 10 anos?
Francisco de Oliveira – Por exemplo, o PT é um partido que despreza o lado institucional da república. As frequentes declarações do próprio líder máximo do PT [Lula] mostram desprezo ou talvez desconhecimento do que significam instituições da república. Ele nem sabe que só foi eleito graças a uma institucionalidade que se chamava burguesa e que deu chance a um partido de operários fazer política. Antes, política era um caso de polícia. E mais do que fazer política, chegar ao governo. Essas são instituições democráticas que o povo brasileiro construiu com muito sacrifício, com ditaduras pelo meio. Apesar disso, quando o país saiu da ditadura foi num sentido progressista. E o PT não entendeu isso.
IHU On-Line – Quais os principais méritos que o PT merece em relação às mudanças realizadas no Brasil durante a última década?
Francisco de Oliveira – O mérito está no capítulo da distribuição de renda. Trata-se de uma atenção maior ao social, sem ter corrigido a desigualdade brasileira, e com uma reiteração da democracia republicana, que no PT corria riscos. São as duas grandes ações.
IHU On-Line – As políticas sociais teriam sido possíveis sem o apoio de bastiões da direita?
Francisco de Oliveira – A direita não fez resistência nenhuma. Até porque o Bolsa Família, que é louvável, é muito tímido. Os estudos da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, que é um organismo do governo, mas conduzido tecnicamente bem, mostram que o que impacta a distribuição de renda no Brasil são os benefícios do INSS, e não o Bolsa Família.
IHU On-Line – Como o senhor avalia que se deu a relação com a oposição durante os dois mandatos de Lula e os primeiros anos de Dilma até então?
Francisco de Oliveira – Muito mal. Em primeiro lugar, a oposição perdeu todas as suas bandeiras, coisa que não era para ter ocorrido porque os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso não foram mandatos nulos, não foram um “zero à esquerda”. Mas o PT não valoriza o que ele chamava injustamente de “herança maldita”, porque sem a estabilização da moeda, que foi uma façanha política do governo FHC, o PT jamais conseguiria implementar o Bolsa Família. Imagine a cada três meses ter que corrigir o valor do benefício por causa da inflação! O PT é muito pouco respeitoso das instituições republicanas. Felizmente, nesse capítulo, apesar do desprezo que ele tem, expresso pelo seu líder máximo, não deu nenhum passo em falso.
IHU On-Line – O que mudou no lulismo durante esses 10 anos de PT na presidência da república? Ele continua presente no governo Dilma?
Francisco de Oliveira – Mais do que nunca. A novidade hoje em relação ao primeiro mandato do PT na presidência é que agora Lula pensa que é o rei do Brasil. O lulismo está pior do que no começo, quando Lula pensava ser apenas a preferência dos pobres pelo Partido dos Trabalhadores. Mas agora, com dois mandatos sucessivos e mais a capacidade de eleger a presidente Dilma Rousseff e ainda a capacidade de eleger o prefeito de São Paulo, o lulismo, como se diz em linguagem popular, “subiu nos tamancos”.
IHU On-Line – O senhor pensa que há alguma possibilidade de Lula querer voltar em 2014 em vez de apoiar a reeleição de Dilma?
Francisco de Oliveira – Ele não vai voltar, porque ninguém vai deixar. O próprio PT não vai deixar. Isso não é um império. É uma república, com seus defeitos, mas é uma república. Já a possibilidade de Dilma é grande.
IHU On-Line – O PT, como partido que se diz de esquerda, trouxe que novidade para o Brasil em relação à política econômica dos governos anteriores?
Francisco de Oliveira – Nenhuma. Mantém o mesmo ministro de Lula até aqui, o Guido Mantega, que é um homem honrado, mas não traz nenhuma novidade na política econômica em relação aos caminhos que foram abertos pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
IHU On-Line – Como o senhor situa o episódio do mensalão e as condenações aos membros do PT nesse contexto de um governo que dura 10 anos?
Francisco de Oliveira – Pode ser que prejudique, mas os episódios iniciais estão se afastando muito do tempo. Para frente, se Dilma conseguir se reeleger, isso ficará ainda mais longe da memória dos eleitores. Além disso, os eleitores se renovam. O eleitor de 20 anos que chegar em sua primeira eleição está muito pouco ligado comigo, que sou um eleitor de 70 anos. Então, este impacto do mensalão tende a esmaecer, embora o PT tenha sempre dito que era invenção da imprensa, mas não era. Há talvez uma ou outra figura que tenha sido injustiçada e aqui penso, sobretudo, no ex-deputado José Genoino.
IHU On-Line – O que é ética para a esquerda política de modo geral?
Francisco de Oliveira – A esquerda se define pelo seguinte: entre os três grandes temas ou bandeiras da grande revolução francesa (igualdade, liberdade e fraternidade), a esquerda sempre é o partido da igualdade. Nesse sentido, certos regimes de esquerda desprezaram a liberdade ou até atentaram contra ela. O que define a esquerda é a luta pela igualdade social – a esquerda não parte dos indivíduos, mas das classes – e a igualdade entre as classes, que levará necessariamente a uma igualdade entre os indivíduos. É o oposto do liberalismo, que começa pelo indivíduo e não toca no tema das classes. A esquerda começa pelas classes para atingir o indivíduo. Esse será sempre o seu programa. É um programa eterno.
Fonte: IHU On-Line, nº 413, 1/4/2013
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