terça-feira, 23 de abril de 2013

Matadores do padre Henrique são revelados

MEMÓRIA

Comissão da Verdade revela documentos que apontam os autores materiais do assassinato do auxiliar de dom Helder e comprovam a motivação política do crime

Ayrton Maciel

Quarenta e três anos após o episódio que traumatizou a Igreja Católica, chocou a opinião pública e repercutiu contra o regime militar no exterior, a verdade aparece sobre a motivação e os autores materiais do trucidamento do padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, padre Henrique, da Arquidiocese de Olinda e Recife. De posse de documentos inéditos produzidos pelo Serviço Nacional de Informação (SNI) e pelo Ministério da Justiça, em 1970 - um ano após a morte do religioso (27 de maio de 1969) -, a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara trouxe à tona, ontem, os autores materiais do crime. Os documentos foram obtidos por pesquisadores da Comissão Estadual e outros enviado pela Comissão Nacional da Verdade. Padre Henrique era auxiliar do então arcebispo dom Helder .

Com base em informe confidencial (nº 685) dirigido ao chefe do SNI, em Brasília, general Carlos Alberto da Fontoura, de 30 de junho de 1970, os responsáveis são identificados como "jovens radicais da direita em co-autoria com investigadores da Polícia Civil", que usaram veículo oficial da SSP/PE. O informe, lastreado nos autos do processo de investigação, que o promotor José Ivens Peixoto de Carvalho (já falecido) deveria usar para pronunciar os acusados, o que nunca fez - devido à interferência do Ministério da Justiça e do SNI - acusa como autores materiais do crime: o estudante Rogério Matos do Nascimento, o menor Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues (17 anos na época, sobrinho de José Bartolomeu Lemos Gibson, já falecido, delegado-diretor do Departamento de Investigação da SSP/PE), e os investigadores de polícia Rível Rocha (falecido) e Humberto Serrano de Souza. Este último citado pela primeira vez no caso.

Ladeado pelos componente da Comissão Estadual, o relator do "caso padre Henrique", Henrique Mariano, ressaltou que "os documentos comprovam que o assassinato teve motivação política", derrubando as versões propagadas pelo regime militar de crime passional e crime comum. "Foi um crime político. Visava atingir dom Helder", afirmou Mariano, que destacou o papel de padre Henrique, que tinha um trabalho de conscientização social em sindicatos. O pacote de documentos recebidos pela Comissão Estadual inclui transcrições de escutas telefônicas (grampos) na residência do arcebispo, na Rua das Fronteiras, e no Seminário de São Bento, e um relatório do Centro de Informações da Marinha (Cenimar) que vincula dom Helder e padre Henrique à Equipos Docentes da América Latina (Edal), de forte inserção social no Nordeste, com sede em Fortaleza.

O informe confidencial do SNI acabou gerando uma portaria (nº 114-BC) do ministro da Justiça, Alfredo Buzaid (já falecido), designando os consultores jurídicos Leonardo Greco e Haroldo Ferreira para proceder investigação relacionada ao crime. Leonardo Greco, que mora em São Paulo, chegou a vir ao Recife, em 1970, onde se encontrou com o promotor José Ivens Peixoto, que caminhava para pronunciar os quatro identificados. Reúne-se ainda com o chefe da Agência do SNI, General Ascendino Bezerra Araújo Lins, o comandante da 7ª Região Militar, general Ednardo D’Ávila Melo, e o secretário de Segurança, Armando Samico. De volta a Brasília, Grego escreve extenso parecer (nº CJ:144/70) que no final diz ter feito recomendações, entre elas, uma ao promotor: "Para impedir o desastroso desenlace do processo, obtive do promotor público José Ivens, depois de ter-lhe revelado o nosso ponto de vista sobre o caso, o compromisso de não concluir as suas alegações sem antes receber expressa orientação do Ministério da Justiça sobre o rumo que deve imprimir ao processo".

Greco diz, ainda, no parecer, que o promotor José Ivens estava sendo conduzido a um equívoco "pela perniciosa atuação da família da vítima e da defesa dos acusados", por isso as recomendações tinham o objetivo de desfazer esse erro. Com as medidas, acredita ele que "o crime do padre Henrique" chegará "a bom termo", com a responsabilização dos seus "reais autores", evitando o uso político contra a ditadura.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

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