Seis ministros do STF omitiram do acórdão do mensalão, publicado ontem, alguns de seus apartes, deixando diálogos sem sentido.
Acórdão do mensalão suprime parte do debate entre ministros
Celso de Mello foi o que mais mandou retirar trechos de discussões
Carolina Brígido, André de Souza
BRASÍLIA - O acórdão do julgamento do mensalão foi publicado pelo Supremo Tribunal Federal com 1.335 supressões nos diálogos travados entre os ministros. As discussões mais pesadas, aquelas protagonizadas pelo relator, Joaquim Barbosa, e pelo revisor, Ricardo Lewandowski, estão todas lá. Entretanto, há hiatos porque seis dos 11 ministros que participaram dos julgamentos excluíram suas falas em discussões ou apartes em votos de outros colegas. O curioso é que, como a supressão de apartes não foi combinada entre eles, em muitas ocasiões um ministro silencia e o outro responde.
Pelas contas do GLOBO, Celso de Mello foi quem mais mandou retirar trechos de falas em plenário: 805 falas dele foram suprimidas do acórdão. Luiz Fux cancelou 518 intervenções. Outros quatro ministros fizeram o mesmo, mas em proporções bem menores: Dias Toffoli cancelou seis falas; Gilmar Mendes, três; Ayres Britto, duas; e Lewandowski, uma. Cinco ministros não esconderam nenhuma intervenção: Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Cezar Peluso.
Também sumiu do acórdão a discussão ocorrida no último dia de julgamento, 17 de novembro, entre Barbosa e Marco Aurélio Mello. Não foram os ministros que apagaram suas frases, mas o episódio não foi sequer mencionado no documento, como se não tivesse ocorrido.
O cancelamento das falas produziu algumas situações peculiares. No dia 11 de outubro do ano passado, Fux e Toffoli trocaram farpas ao divergir sobre a definição do delito de lavagem de dinheiro, crime atribuído a seis réus que estavam sendo julgados no dia. Fux, que votou pela condenação de três réus, expunha seu ponto de vista quando foi interrompido pelo colega.
- Permite uma pergunta? - interveio Toffoli na ocasião, recebendo resposta positiva de Fux.
- Se esse dinheiro foi repassado aos três réus que o relator condena, se esse dinheiro fosse oriundo, ao invés do que já foi assentado como corrupção, de roubo a banco, eles responderiam pelo crime de lavagem? A resposta é não - continuou Toffoli.
Fux não gostou da pergunta e respondeu:
- Então Vossa Excelência não precisava ter perguntado.
- Vossa Excelência está sendo indelicado - disse Toffoli.
- Vossa Excelência deu a resposta, foi por isso que eu achei que não era pergunta - respondeu Fux, em tom conciliador.
No acórdão, o diálogo virou um monólogo. As frases de Toffoli foram transcritas, mas as de Fux foram todas substituídas por "cancelado". No caso de Toffoli, apenas a parte em que ele acusa Fux de ser indelicado foi suprimida, mas sequer apareceu um "cancelado" para indicar o corte.
Questionado, Fux respondeu em nota. "O cancelamento das notas taquigráficas se deve à juntada de votos escritos. Desse modo, a repetição do conteúdo dos votos escritos nas notas taquigráficas geraria indesejado aumento do número de páginas do acórdão, que, como sabido, alcançou a marca de mais de 8 mil laudas. O que foi proferido pelo ministro na sessão consistiu, basicamente, num resumo dos votos escritos", diz o texto. "O conteúdo das sessões está gravado em áudio e vídeo, podendo ser acessado pelo portal da TV Justiça no "YouTube"".
Celso de Mello explicou, pela assessoria de imprensa do STF, que os trechos cancelados não mudam o resultado do julgamento. Segundo ele, um ministro vogal - ou seja, que não é relator nem revisor do processo - só não pode cancelar trechos do voto quando ele é o primeiro a apresentar uma posição divergente. Se estiver acompanhando alguma posição já estabelecida em plenário, isso é permitido. Ainda de acordo com o ministro, a supressão de trechos do voto não é procedimento atípico e é algo que ele já faz há muitos anos.
Celso de Mello explicou também que suprimiu essas partes por uma razão de ordem prática: ele já havia excedido em quatro dias o prazo para a devolução de seu voto.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, minimizou a supressão dos trechos. Questionado se isso poderia ajudar os advogados na apresentação de recursos, ele respondeu:
- Acredito que não. O que é importante é que os argumentos essenciais, as discussões principais constem do corpo do acórdão. Pelo que tenho notícia, algumas supressões foram de intervenções que não eram, digamos, substanciais e, portanto, não eram de importância fundamental e se destinaram precisamente a possibilitar a publicação do acórdão no menor tempo possível.
Fonte: O Globo
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