Por: Daniel Haidar, Janaina Lage
Apesar do nervosismo nos mercados, Arminio Fraga estava bem-humorado na última quinta-feira. Na sede da Gávea Investimentos, no Leblon, só hesitou quando perguntado sobre a maior preocupação para o país no cenário externo. "Deixa eu pensar na ordem, tem muita coisa acontecendo", disse, abrindo um sorriso, antes de listar a perspectiva de redução de estímulos à economia americana, a restrição ao crédito na China e a recaída da economia europeia como principais ameaças. Já sobre o cenário doméstico, o economista não titubeou. Para ele, é hora de rever a política de governo que tornou a ida a Brasília uma rota de peregrinação de empresários em busca de crédito e subsídio. É também o momento de reforçar o compromisso com o controle de gastos e a meta de inflação.
Por que a população foi às ruas?
O recado me parece claro. A população está insatisfeita, insegura, indignada. E resolveu se posicionar. Com um núcleo majoritário, existem pequenos grupos agindo de forma violenta, às vezes de forma mais organizada. Queremos mais, queremos um governo melhor. A coisa do preço dos transportes foi um gatilho, mas trouxe à tona outros temas mais fundamentais.
Há um pano de fundo econômico?
Sim, apesar do desemprego baixo. A população anseia ter melhores serviços de saúde, educação e transporte urbano. A carga tributária é alta, as pessoas têm um grau de informação maior e questionam "o que o governo está fazendo com nosso dinheiro?" Isso traz questões como gasto público, corrupção e inflação. Já se vão quase 20 anos desde a hiperinflação, mas ela vive na imaginação das pessoas que viveram a tragédia social daquela fase. Hoje, começam a sentir que o dinheiro que recebem não compra mais o que comprava antes. É conhecido no Brasil o efeito regressivo da inflação: o pobre é quem acaba pagando mais o pato.
Os protestos afetam a percepção do investidor estrangeiro?
Vários aspectos afetam a percepção do investidor. No caso da infraestrutura, são investimentos de longo prazo, intensivos em capital, que exigem financiamento e segurança. Caso se consolide a percepção de que as tarifas estão sujeitas às pressões do ciclo econômico e políticas, certamente vai se reduzir o apetite por investimento no setor. A própria pressão das ruas precisa ser processada pelo governo e transformada em resposta coerente com a responsabilidade fiscal. A noção de que não há mais meta fiscal e que o governo vem usando artifícios e brechas - de forma transparente - preocupa bastante. Num momento em que a inflação anda pressionada, dificulta o quadro, e gera pressão sobre o BC, que terá que trabalhar dobrado ao aumentar juros ou aceitar inflação mais alta.
A inflação pode sair do controle?
Sempre há risco de descontrole, em qualquer lugar do mundo. O BC sinalizou que vai correr atrás da meta. Tem apoio do governo, até porque o governo entende que se a inflação sair de controle vai perder muito nas pesquisas. Há certo receio de descontrole macroeconômico neste momento de protestos. O governo foi cuidadoso e pôs no topo da lista a responsabilidade fiscal. Espero que ocorra na prática. Todo cuidado é pouco.
O governo jogou fora o tripé de câmbio flutuante, controle de gastos e metas de inflação?
Flexibilizou bastante o tripé, há quem diga que jogou fora, eu não iria tão longe. Acho que ainda não jogou, mas caminha nessa direção. A administração do tripé está muito focada na demanda, e as políticas públicas em geral pouco focadas na oferta... Se ficar claro que as metas de inflação e o superávit primário não são para valer, teremos problemas sérios.
Seria o caso de um choque de juros?
Não creio que seja a melhor resposta. Talvez seja melhor uma resposta mais equilibrada, que inclua mais cuidados na área fiscal e de crédito. O BC tem que aumentar juros no que for necessário para trazer a inflação para meta. Mas vai ter que elevar muito menos se tiver apoio fiscal e do crédito. Há também a taxa de câmbio, que depende um pouco de confiança. Hoje há um certo receio de populismo no ar.
É possível cumprir a meta fiscal?
Possível é, mas me parece difícil, especialmente diante dos acontecimentos recentes, as manifestações. Já se vê nos jornais contas de especialistas dizendo que as respostas às demandas poderão custar mais de R$ 100 bilhões por ano. Essa disciplina de processar as demandas e dar o que é a resposta possível é a responsabilidade fiscal, que não pode ser perdida.
O senhor tem um envolvimento com causas sociais. A elite lavou as mãos?
Não acho. Vejo o Brasil vivendo um momento de discussão muito rico. A imprensa tem tido e terá sempre um papel muito importante. A elite empresarial tende a se adaptar às regras do jogo. E se o governo define que a regra é ir a Brasília pedir subsídio e proteção, a elite empresarial vai fazer isso, podendo até reforçar este modelo. Mas a maioria dos empresários preferiria que as regras fossem diferentes, que o custo Brasil fosse mais baixo, e as regras, mais simples e claras. É fácil apontar para as elites, mas não é papel do empresário necessariamente participar da vida pública.
O que preocupa no cenário externo?
A maior preocupação é com a redução no grau de estímulo da política monetária americana. Os mercados tiveram uma reação forte às colocações do Ben Bernanke (presidente do BC dos EUA), confirmando que as saídas de políticas ultraexpansionistas são difíceis. A segunda é a China. Estive lá, voltei preocupado. A China no pós-crise de 2008, por receio de uma recessão maior, tomou medidas agressivas que liberaram a China Velha. Essa China dos bancos públicos, das estatais, dos governos locais funciona a pleno vapor, provavelmente gerando retornos muito baixos ou destruindo valor. Com isso, acumula desequilíbrios. Houve um boom de crédito como poucos na História. Já se vê capacidade ociosa em vários setores. O governo novo vem dando sinais de que pretende abordar estas questões. É possível que a China passe por um período de crescimento mais baixo e há sempre o risco de uma crise um pouco maior. Já se fala em menos de 7% (de crescimento), suspeito que possa ser menos de 6% por um período. São riscos. Em terceiro lugar, a Europa passa por uma recaída, e como numa gripe, às vezes a recaída é pior.
E, num cenário nem tão ruim, o Brasil cresceu só 0,6% no primeiro trimestre ante o quarto trimestre de 2012...
Houve uma ilusão no período de boom da economia mundial, que começou por 2003 e foi até a crise, de que a festa ia durar para sempre. Nossa taxa de crescimento aumentou talvez meio ponto ou um ponto ao ano, é difícil estimar. Se acontecer o oposto, a taxa de crescimento se reduzirá, talvez meio ponto ou um ponto.
As atuações do BC brasileiro no câmbio são uma estratégia eficaz?
O governo vinha atuando pouco. Havia uma percepção equivocada de que o governo tinha uma banda de R$ 2 a R$ 2,10 como meta. Nunca acreditei nisso. Um mercado financeiro sofisticado como o nosso impede que essas medidas tenham efeito permanente. Talvez (o objetivo) seja administrar um pouco a volatilidade. O BC tem sido cuidadoso, não tem entrado muito no mercado e se o fizer em dias mais complicados está dentro do script .
O que mudaria na política econômica?
Muita coisa, mas nem estou, nem sou candidato a nada... Escrevi com colegas dois artigos argumentando que o Brasil vivia uma encruzilhada. Poderíamos estar caminhando rumo a um modelo que deu errado, parecido com o da década de 70, com pouco foco em produtividade, bancos públicos com papel grande demais, pouca capacidade de mobilizar investimento em infraestrutura, mas sem prejuízo no combate à pobreza, na melhoria da distribuição de renda, isso é essencial. Agora parece que o Brasil tende a ir na direção que deu errado. Esse modelo onde Brasília passa a ser destino de peregrinação de empresários pleiteando subsídios, proteções, crédito barato é um modelo muito ruim, inclusive do ponto de vista distributivo. É um modelo pró-empresa e não pró-mercado. Melhor reduzir o custo Brasil e deixar os empresários competirem. A política de combustíveis e automóveis carece de mudanças: o Brasil subsidia carbono e automóvel, quando o mundo parece querer focar mais em transporte público, menos poluente e "engarrafante". Quando o governo segura a gasolina para afetar a inflação, se vê o Brasil em direção contrária da correta.
O crescimento focado em consumo se esgotou?
O Brasil já tinha que ter passado para uma fase em que o crescimento tem também no investimento uma locomotiva. É provável que a fase de crescimento mais acelerado do crédito tenha ficado para trás porque as famílias se endividaram muito. E o crédito ainda é caro. Não gosto do modelo excessivamente focado no consumo alavancado. Não gera crescimento a médio prazo. É um modelo perneta.
Perdemos o bonde dos novos acordos comerciais?
Sim. Nossa política externa pecou ao ser excessivamente terceiro-mundista. Acho bom o Brasil ser líder de países em desenvolvimento. Mas predileção manifesta por Cuba, Líbia, Irã, Venezuela não consigo entender. É negativo para o Brasil. Perdemos algumas oportunidades. Até tenho simpatia pela visão mais multilateral. Mas há décadas o multilateralismo tem se mostrado pouco frutífero, vários países buscaram parcerias. O Brasil ficou para trás.
Ainda conversa com Aécio Neves?
Conversei algumas vezes. Tenho a impressão de que a campanha antecipada não é boa, mas parece ser realidade. Tenho minha vida aqui na Gávea, que demanda horário integral. Mas torço pelo Aécio e quero ajudar.
Fonte: O Globo
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