Datafolha mostra que, hoje, o grande vitorioso é o 'não queremos ninguém', reflexo tanto da 'rua' como da 'casa'
Igor Gielow, diretor da Sucursal de Brasília
Há um mês, vivíamos em um país com problemas econômicos e de gestão. Nele, os índices de aprovação da presidente eram tão altos que lhe era permitido o luxo de solapar todo tipo de aliado. Oposição, nem havia de fato. A reeleição, salvo imprevistos, estava dada para 2014.
Agora, a fotografia feita pelo Datafolha do impacto da convulsão das últimas semanas congelou essa narrativa.
Ressalve-se: a pesquisa mostra o presente. As ruas podem se acalmar. A desaprovação a Dilma entre os que são afetados na prática pelos protestos, que a identificam genericamente como o "poder" que não garante "ordem", pode baixar na mesma intensidade.
Há, portanto, tempo para o governo recompor-se caso a situação desanuvie. Todo mundo ouviu a voz da rua, mas talvez não tenham prestado atenção suficiente à voz dos que ficaram em casa.
Serão meses, contudo, de turbulência para tal tentativa de recuperação, mesmo que os protestos se diluam.
Primeiro, parece inevitável uma reorganização política do governo. Se Aloizio Mercadante aparece como figura de proa dessa nova etapa, é bom lembrar que muitos setores do PT, e ainda mais na base aliada, não o toleram.
Lula terá de agir, mas não afetar intervencionismo. O queremismo tardio pode vir a ser central nas pressões sobre aquele que ameaça tornar-se o grande tiro do pé de toda a estratégia dilmista até aqui: a reforma política.
Como o Datafolha mostrou, o plebiscito tem apoio, mesmo que ninguém saiba o que é um "distritão".
Só que uma coisa é tentar passar a agenda do PT (voto em lista etc.) com uma presidente dona de 65% de aprovação. Outra, fazê-lo com o governo no seu pior momento --e com o maior aliado, o PMDB, sedento de sangue pelos contínuos maus-tratos a que foi submetido por Dilma.
O fim da reeleição, por exemplo, é cogitado por aliados e o "Volta, Lula" pode tornar-se ensurdecedor.
Para piorar, o cenário econômico é turvo. A recuperação americana e a consequente alta do dólar pressionam a inflação, central para a percepção popular de crise.
A cantilena do pleno emprego, repetida por Guido Mantega por esses dias, já não segura eleitor, como o tombo na aprovação da gestão econômica demonstra.
O governo trabalhava com uma queda na aprovação/intenção de voto de Dilma. Mas nada desse tamanho. E havia a suposição de que Marina Silva, que se vende como antipolítica, capitalizaria toda a queda. Não foi bem assim.
O grande vitorioso hoje é o "não queremos ninguém", que reflete tanto a "rua" como a "casa". O crescimento de Joaquim Barbosa pode estar atrelado a isso. O surgimento de terceiras vias, também. Se até há um mês o jogo de 2014 parecia duro, mas jogado, agora é incógnita.
Fonte: Folha de S. Paulo
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