As manifestações que tomaram conta das ruas levaram a presidente Dilma e o Congresso a acelerar as mudanças
Carolina Albuquerque
Três semanas sem que milhares de pessoas deixem as ruas em várias cidades do País. É em plena Copa das Confederações. É ano pré-eleitoral. A pressão das ruas leva a presidente Dilma Rousseff (PT), o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e vários prefeitos e governadores do País a agir. A proposta de um plebiscito para a reforma política é feita pelo governo federal. Antes apoiado por grande parte dos deputados, a PEC 37 é derrotada por um placar de lavada. O Senado desengaveta e aprova o projeto de lei, ainda que com limites, que torna corrupção um crime hediondo. Pressionados, gestores estaduais e municipais aprovam o "Passe Livre" e cancelam o aumento de tarifas para o transporte público. Esta que foi a reivindicação primeira da "Revolta dos R$ 0,20", que analistas já descrevem como a de maiores proporções na história recente, deixando para trás a massa que tomou o Brasil pedindo "Fora Collor", em 1992.
Nos últimos 24 dias, os brasileiros estão sendo observados pelo mundo. Os olhos estão arregalados. E não é pelo futebol. É impossível mensurar o impacto político e social nas instâncias de Poder provocado pelo movimento de bandeiras "dispersas", como apontam analistas. De slogans publicitários: #OGiganteAcordou e #vemprarua. O professor e cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcos Costa Lima enxerga como principal causa da "Revolta dos R$ 0,20" o distanciamento que se aprofundou entre representados e representantes. "Aqui temos uma democracia, um governo que conseguiu distribuir renda. Mas as tecnologias também permitiram uma mobilidade e liberdade maior das informações que não existia antes. Fez com que a juventude passasse a dialogar e criticar o que vem acontecendo. Há um distanciamento da articulação da alta política, dos governos e instituições com a população. E isso gera um terreno muito fértil", diz.
Para Costa Lima, a juventude, que lançou a primeira faísca no protesto em São Paulo, soube "oportunizar" o momento. "Não existe uma causa só. Há também o catalizador do Congresso, que está se lixando para o que pensa a opinião pública, tem salários extravagantes e mordomias. Que quando o País está querendo se abrir para políticas dos direitos humanos, antirracista, vem o Congresso e indica deputado pastor Feliciano na direção contrária", disse. O cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Manuel Sanches, acredita que agora dá para notar apenas sinais de mudança no comportamento político. "São pontuais e ocorreram sob pressão. Podem se cristalizar até as eleições. Mas não há nenhuma mudança institucional, nada que altere o jogo político", opinou.
Definição da consulta ocupará o debate
Na história recente, o plebiscito foi aplicado em duas ocasiões. Especialistas dizem que ferramenta faz bem à democracia
Plebiscito ou referendo para a reforma política? É este, certamente, o debate que tomará os próximos dias. É mais um fruto da "Revolta do R$ 0,20". E caso aconteça, concordam analistas consultados pelo JC, será uma das mais profundas mudanças estruturais. O plebiscito é um instrumento poderoso que depende de perguntas-chaves, e sua elaboração, das várias forças e interesses políticos aí estabelecidos.Embora prevista na Constituição, o instrumento de consulta popular só foi utilizado duas vezes para questões de ordem política pela recente democracia brasileira: em 1993, para escolher o sistema de governo, e em 2005 sobre a proibição da comercialização de armas de fogo. "A nossa Constituição diz que o exercício da soberania se dará de maneira direta ou indireta. O fato de não haver um costume maior é porque, na realidade, a nossa democracia é pautada em uma certa apatia política. As instituições se distanciaram da população. O plebiscito vai permitir a ideia de que a democracia tem uma base direta. Nesse caso é importante que nos enfatizemos consultas assim quando as questões forem de fato relevantes", defende o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco Francisco Assis Brandão.
Professor de Ciência Política da UFPE, Marcos Costa Lima argumenta que instrumentos diretos fazem bem à democracia. "A gente sabe que começam a parecer setores que vêm bombardeando a questão, pois estão mais preocupados com a eleição do ano que vem. Esse não é um processo fácil, mas de maturação. Certas questões nacionais de grande envergadura têm que sofrer uma consulta da população. A energia atômica é um deles. Levantar uma pauta sobre o que vai fazer com a Amazônia é outra. Como qualificar o desenvolvimento das cidades? Essa é uma luta política e tem muita gente que não quer mudar", pontuou. "A Suíça faz plebiscito frequentemente. Temos uma pauta imensa e esse é um momento muito oportuno."
Cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Manuel Sanches pondera que o tempo da rua é diferente do da classe política e que, por isso, as manifestações tendem a ficar menores daqui pra frente. "O tempo é diferente. A classe política tende a discutir por um período mais longo. O tempo da rua é abrupto, o que significa dizer refluir para manifestações menores. Mas é possível que haja uma nova erupção, especialmente se a classe dirigente não demonstrar que está atento aos anseios populares", analisa. (C.A.)
Fonte: Jornal do Commercio (PE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário