As eleições e o drible na responsabilidade fiscal
A menos de um ano da disputa presidencial, Planalto trabalha com mecanismos para burlar medidas que restringem os gastos. Ações ajudam aliados no estados, mas contradizem o discurso de austeridade com as contas públicas
Paulo de Tarso Lyra, Leandro Kleber
A mesma presidente Dilma Rousseff que anuncia, em cadeia de rádio e tevê, pactos para não estourar as contas públicas — e envia ministros ao Congresso a fim de pressionar os parlamentares a não aumentarem gastos em ano pré-eleitoral — trabalha com mecanismos para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), desequilibrando o Orçamento federal. Atualmente, uma série de fatores criam um abismo que prejudica a saúde financeira do país.
Entre eles, destaque para a mudança do indexador usado na correção da dívida de estados e municípios com a União para reduzir os débitos, os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para as empresas com risco de não quitação de débitos pelo baixo crescimento econômico e a autorização para que cidades inadimplentes recebam recursos para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o orçamento impositivo. “O risco Brasil aumentou, nossa avaliação internacional vai cair. A bomba já explodiu”, afirmou ao Correio o ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento Raul Velloso.
Depois de uma longa resistência do governo federal em alterar os limites de endividamento de governadores e prefeitos, a União acabou cedendo para ajudar cidades como São Paulo, administrada por Fernando Haddad (PT). Por um lado, o petista sofre com o estrangulamento financeiro e, por outro, com índices pífios de avaliação popular. Após ser aprovada na Câmara, a proposta que muda o indexador tem de ser referendada pelo Senado. A dívida total de estados e de municípios brasileiros gira em torno de R$ 513 bilhões. Com a faca no pescoço, os entes federados não conseguem cumprir a própria parte no que se refere ao superavit primário, fato que também acaba pesando nas contas do governo federal.
As atuais regras das dívidas haviam sido negociadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sempre resistiu em mudar o indexador. A corda estourou no colo de Dilma. “Era necessário fazer essa alteração. Só acho que poderia ter sido cobrada uma contrapartida mais firme de estados e municípios nessa negociação”, declarou o secretário-geral do PT, Paulo Teixeira (SP).
Riscos
Críticos do governo Dilma afirmam que, no afã de garantir a própria reeleição, ela está colocando em riscos os pressupostos de estabilidade econômica conquistados nos últimos anos. “O cenário é extremamente perigoso e, o que é pior, você não consegue enxergar sinais de que o governo esteja preocupado em corrigir os rumos”, disse Alberto Goldman, vice-presidente do PSDB e ex-governador de São Paulo.
Goldman, que já foi deputado federal, não se espanta com os movimentos do Congresso em apoiar a aprovação de projetos explosivos que podem impactar em até R$ 60 bilhões as contas públicas, como a PEC 300, que equipara salários de policiais e de bombeiros aos profissionais do Distrito Federal e a definição do piso nacional salarial dos agentes comunitários de saúde, entre outros. “Normalmente, o Congresso é mais irresponsável que o Executivo. Mas, ao ver que o Planalto e a equipe econômica liberaram as rédeas, os congressistas se viram no direito de fazer o mesmo”, afirmou o tucano.
A própria política de empréstimos do BNDES às empresas, especialmente no período da crise internacional, pode criar um efeito bumerangue, impedindo os resultados positivos da medida. Como a economia não cresce, as empresas não obtêm retorno dos investimentos e ficará cada vez mais difícil que elas paguem os empréstimos contraídos. O caso do empresário Eike Batista é clássico: ele deve R$ 10,4 bilhões para o BNDES, um montante que representa 50% do orçamento destinado ao Bolsa Família. “O Eike é o exemplo mais bem acabado do capitalismo do PT”, criticou o líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque (RS).
Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, há brechas para que o dinheiro dos cofres federais saia e tenha como destino municípios inadimplentes, por exemplo. Segundo ele, as prefeituras endividadas seguem recebendo recursos da União. “A Lei de Responsabilidade Fiscal deixou de ser uma trava para os prefeitos corruptos. Antigamente, eles eram até malvistos pelos moradores da cidade, porque o município ficava impedido de receber dinheiro da União. Agora, não. Os prefeitos recebem recursos expressivos, mesmo estando inadimplentes”, afirma.
Procurados pela reportagem, o Ministério do Planejamento e a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) defenderam a atuação do governo. A assessoria de comunicação da STN afirmou que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) “é rigorosamente seguida” pelo Poder Executivo. Já a pasta chefiada pela ministra Miriam Belchior informou que todos os repasses voluntários obedecem à legislação em vigor, “em especial o artigo 25 da LRF”. O artigo trata de critérios para as transferências. O ministério garantiu que o governo não libera verbas de forma voluntária a entes inadimplentes. Em relação aos empreendimentos do PAC que recebem recursos classificados como transferências obrigatórias, a assessoria ressalta que o mecanismo se baseia na Lei n°11.578/2007.
R$ 513 bilhões. Dívida total de estados e municípios brasileiros
Fonte: Correio Braziliense
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