Em debate recente, por ocasião do lançamento do excelente livro de André Lara Resende Os Limites do Possível, procurei sugerir que havia uma certa unidade relacionando os vários ensaios ali reunidos. E que, no meu entender, essa unidade era proveniente de cinco eixos básicos.
Primeiro a visão, que raríssimas vezes na História foi tão importante, de uma perspectiva que vá além da conjuntura. Tanto no mundo como no Brasil de hoje, "nunca a conjuntura foi tão pouco conjuntural".
Segundo, que as relações entre economia e política, que . nunca deixaram de existir, mas foram subestimadas no longo período de euforia pré-crise, voltaram a assumir novas e intensas interações, no Brasil e no mundo.
Terceiro, que as discussões relevantes sobre a teoria e a prática da política macroeconômica em economias abertas haviam voltado a tomar-se interessantes intelectualmente - no mundo como no Brasil.
Quarto, que processos de mudança em democracias envolvem um informado debate público. A experiência mostra que esse debate permite que pessoas e grupos formem (ou mudem) sua opinião ao longo do processo - bem como evidencia que em sociedades complexas aumentam os problemas que requerem a contribuição expressiva de competências técnicas para sua solução.
Quinto e último, que o aprender com experiências passadas, nossas e de outros, depende da
existência de arcabouços conceituais minimamente coerentes que permitam aos participantes do debate situar e estruturar a discussão sobre lições a serem aprendidas e sobre velhos e novos - sempre mais tentadores -| erros a serem evitados.
Por que esta longa introdução? Talvez porque tenho a impressão de que vivemos hoje sob os efeitos deletérios - sobre i os cinco pontos acima - do excessivamente prematuro lançamento da campanha pela reeleição do atual governo, com quase dois anos de antecipação. Vivemos desde então sob o império do efêmero, com um governo utilizando as instrumentalidades do poder e sua competente e onipresente máquina de í marquetagem política, totalmente focados no caminho até outubro de 2014 - como se não houvesse um amanhã após essa data ou apenas algo a ser considerado depois da (esperada) vitória nas umas.
Há consequências preocupantes do império de uma excessivamente prolongada retórica 1 eleitoral que, em vez de permitir, como seria desejável, um aumento da qualidade do debate j ou, pelo menos, uma compreensão mais adequada por parte do eleitorado sobre a natureza dos desafios a enfrentar, leve, ao contrário, a uma excessiva simplificação do debate e à lamentável rotulagem que procura desqualificar a priori argumentos de interlocutores, atribuindo-lhes filiações a supostas correntes de pensamento (de nomes tidos como pejorativos) e que, portanto, não mereceriam atenção, por equivocados ou movidos por inconfessáveis propósitos - políticos ou não.
O ex-ministro Delfim Netto, influente conselheiro de nossa presidente, notou que a "lamentável" antecipação da campanha eleitoral "introduziu um viés político na análise que dificulta o acordo sobre o que se deva fazer para recuperar um crescimento mais robusto sem pressionar a taxa da inflação".
Vale lembrar, apenas para ilustrar, dois exemplos de diálogo e entendimento.Um que foi realizado com relativo sucesso, ou- j tro que foi tentado, não funcionou à época, mas que terá de ser considerado, de novo, em 2015.
Primeiro exemplo: em 2002, I o então presidente Fernando I Henrique Cardoso tomou o cuidado de deixar claro aos seus ministros que as ""instrumentalidades" do poder não seriam utilizadas com propósitos eleitorais e que eles não deveriam envolver-se pessoalmente em abertas campanhas políticas no exercício do cargo. E instruiu a todos os seus ministros que procurassem manter o diálogo possível com os chefes de equipes dos principais candidatos, em suas respectivas áreas.
A transição civilizada que tivemos de FHC para Lula (2002/2003), pelo menos na área econômica, em muito se deveu a essa orientação presidencial e à presença de um interlocutor pragmático, Antônio Palocci, capaz de ouvir com atenção e rapidamente entender por que a taxa de câmbio real/dólar foi de 2,3 a 4 entre abril e outubro de 2002 e o "risco Brasil" chegou a quase 25% no mesmo período. E foi capaz de formar uma equipe que sabia o que deveria ser feito na ocasião. Até hoje tenho dúvidas se muitos dos seus chegaram a compreender o que eram as expressões de receios sobre o que poderia ser a condução da política macroeconômica pós-2003. Os sinais emitidos ainda em 2014 para 2015 e adiante também serão muito importantes.
O segundo exemplo é ainda mais relevante. Em fins de 2005, os ministros Palocci e Paulo Bernardo tentaram convencer o Palácio do Planalto de que seria importante pensar numa política de médio e longo prazos (e sua implementação adequada) que procurasse não cortar despesas primárias do governo, como se disse à época, mas limitar a sua velocidade de crescimento, que vinha sendo superior às taxas de crescimento da economia. Como, em geral, até hoje.
A proposta, como é sabido, contou - e conta - com o apoio de vários ex-ministros da Fazenda, como Maílson da Nóbrega, Delfim Netto e este que ora escreve, mas não foi aceita pelo Planalto, sob o argumento de que gasto era vida e a proposta seria rudimentar.
Pois bem, a uma variante qualquer dessa proposta o poder incumbente que resultará das umas de 2014 terá de voltar a partir de 2015. Talvez isso não possa ser dito em campanha porque, dada a nossa História, dificilmente esse mandato seria dado pelas umas. Mas os que pretendem chegar à Presidência - ou nela permanecer -deveriam saber que não haverá como deixar de enfrentar esse desafio a partir de 2015.
Afinal, fatos não deixam de existir porque são ignorados em campanha eleitoral.
*Economista, foi ministro da fazenda no governo FHC
Fonte: O Estado de S. Paulo
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