Quase metade dos gastos (46,2%) com cartões corporativos do governo federal foi mantida em sigilo em 2012, ano em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor no País. A justificativa é que são informações estratégicas para a segurança da sociedade e do Estado, informa a repórter Alana Rizzo. Ao todo, os portadores dos mais de 13 mil cartões de pagamento gastaram, de forma secreta, R$ 21,3 milhões dos R$ 46,1 milhões pagos.
46% dos gastos via cartão corporativo do governo são mantidos em segredo
Administração. Presidência da República e órgãos oficiais de investigação, como Abin e Polícia Federal, são os que mais recorrem ao sigilo de despesas sob o argumento de que as informações são estratégicas para a segurança da sociedade e do Estado brasileiro
Alana Rizzo
Em 2012, ano em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor, quase metade dos gastos com cartões corporativos do governo federal foi mantida em segredo, O argumento é que são informações estratégicas para a segurança da sociedade e do Estado brasileiro.
Entre janeiro e setembro, 46,2% das despesas via cartão foram classificadas como sigilosas - as informações referentes aos meses finais de 2012 ainda não foram enviadas pelo Banco do Brasil à Controladoria-Geral da União (CGU) para divulgação no Portal da Transparência do governo.
Ao todo, na administração pública, os portadores dos mais de 13 mil cartões de pagamento do governo espalhados pelo País gastaram, de forma secreta, R$ 21,3 milhões dos R$ 46,1 milhões pagos pelo chamado suprimento de fundos. A maioria é de compras e saques da Presidência da República, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal. Na Presidência, 95% das despesas com cartões são sigilosas.
Pela legislação, o uso do chamado suprimento de fundos - ou seja, os cartões - não é regra e deve ser usado como exceção e em casos de despesas excepcionais ou de pequeno vulto, como compra de material de consumo e contratação de serviços.
A Abin diz que utiliza o cartão de forma "ostensiva" para atender às demandas administrativas de 26 superintendências esta¬duais vinculadas. O Gabinete de Segurança Institucional, a quem a Abin é subordinada, afirma que os cartões de pagamento são usa¬dos em ações de caráter sigiloso em conformidade com a lei.
A Polícia Federal, órgão sub¬metido ao Ministério da Justiça, cujos gastos secretos por meio de cartão corporativo são altos, não quis comentar o assunto.
A Secretaria de Administração, responsável pela gestão dos cartões da Presidência, informou que os cartões corporativos se destinam a atender as despesas eventuais de pronto pagamento e que, por sua excepcionalidade, não podem se subordinar ao pro¬cesso normal de empenho. A Vice-Presidência da República, que gastou R$ 537,8 mil com os cartões, informou que não poderia responder aos questionamentos da reportagem porque seus servi¬dores estavam em recesso.
Sem amparo legal específico, a fiscalização das despesas sigilosas é compartilhada dentro do governo. Cabe à Secretaria de Controle Interno (Giset) da Secretaria-Geral acompanhar os gastos relacionados à Presidência da República, incluindo a Abin. Já as despesas da PF são fiscalizadas pela Controladoria-Geral. No entanto, os relatórios de contas da Ciset e da CGU revelam que os órgãos utilizam artifícios para burlar o controle e não divulgar os gastos.
Atraso. Os últimos dados disponíveis na página da CGU são de setembro. Até a última sema¬na, o portal estava desatualizado e divulgava informações referente à fatura de maio, um atraso de mais de seis meses na divulga¬ção de informações públicas.
O sigilo e a demora na publicação dos dados vai na contramão da Lei de Acesso e do compro-misso assinado pela presidente Dilma Rousseff de implantação do projeto Governo Aberto. Durante a abertura da 1.a Conferência de Alto Nível Parceria para o Governo Aberto (OGP) em abril do ano passado, Dilma ressaltou o "grande compromisso" do go¬verno com a transparência e destacou o Portal da Transparência. "O Portal divulga todas as despesas do governo federal em base diária e nos mínimos detalhes. Quem acessá-lo nesta manhã verá que todos os gastos realizados até a noite de ontem estão lá ex¬postos e configurados."
Em nota, a CGU informou que o Banco do Brasil é o responsável pelo envio dos dados e a Controladoria, pela publicação. O atra¬so, segundo o órgão, foi causado por "problemas de ordem técnica" ocorridos no processamento das informações no mês de julho, o que prejudicou a atualização dos meses subsequentes. O banco alegou que a demora foi provo¬cada por mudanças no sistema dos cartões.
Incorporados ainda no governo Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de diminuir os gastos e dar mais transparências às contas, os cartões corporativos provocaram uma crise em 2008. Denúncias de mau uso, incluindo o pagamento de despesas pessoais e saques sem justificativas, levaram a então titular da Secreta¬ria da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, a pedir demissão. Uma CPI foi criada no Congresso. A ex- ministra será secretária adjunta de Netinho de Paula na pasta da Promoção da Igualdade Racial na gestão de Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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