Nosso nó górdio é o nível da taxa de juros e como ele é fixado pelo BC, pois disto decorrem outras distorções da economia
A hora de ajustar a economia brasileira está passando à medida que se aproximam as eleições programadas para o fim do ano. Se não for iniciada já e delineado um programa vigoroso de reformas para os próximos anos, as dúvidas e incertezas devem persistir e poderemos ter um fim de ano conturbado. A necessidade de ajustes e reformas não é gerada apenas pelas especificidades internas da economia brasileira, mas também pelo novo quadro internacional. Melhorias no cenário internacional em função das expectativas mais positivas de crescimento nos Estados Unidos, Japão e mesmo na Europa; mudanças na política monetária do Federal Reserve dos Estados Unidos e seus impactos, ainda que diferenciados, nos países emergentes e a acomodação da China num novo patamar de crescimento, anunciam uma nova fase na economia global. Tais mudanças tornam premente a necessidade de ajuste.
Não há dúvida de que a economia brasileira precisa passar por uma série de ajustes e reformas para retomar um crescimento mais vigoroso e estável. Como já observamos nesta coluna, a fase de bonança externa com o choque nos termos de troca e expansão das exportações de produtos primários se encerrou. No período de bonança, optamos por expandir o consumo privado e os gastos correntes do governo, em vez de ampliarmos a taxa de investimento. Mesmo assim, de 2004 a 2010 tivemos uma aceleração no crescimento, passando de uma média de pouco mais de 2% ao ano, para 4%.
Mas a capacidade ociosa e desemprego reduziram-se e, desde 2011, tudo indica que voltamos ao patamar de crescimento anterior. É óbvio, pois se nem a taxa de investimento produtivo, nem o progresso tecnológico avançaram, não há razão para o crescimento potencial avançar. Voltamos à velha normalidade de equilíbrio ruim com baixo crescimento.
Fazer um diagnóstico do baixo crescimento brasileiro é tarefa bastante simples. Basta não ser criativo e observar no que somos um verdadeiro "outlier", um ponto fora da curva no padrão internacional de crescimento. A lista destas "jabuticabas" é imensa e todo livro de macroeconomia brasileira deveria iniciar com seu exame empírico exaustivo.
Não dá para analisar todas estas "jabuticabas", pois seria necessário um tratado, assim vamos ao nosso "nó górdio", o nível da taxa de juros e como ele é fixado pelo Banco Central, pois disto decorrem uma série de outras "jabuticabas" e distorções da economia brasileira. Desata-se o nó sem necessidade de mudança constitucional ou legal, basta mudar as regras operacionais do Banco Central.
Dentre as jabuticabas decorrentes do nó górdio temos: grande afluxo de capitais do exterior seguido de "paradas súbitas", gerando persistente desequilíbrio na conta de capitais; taxa de câmbio apreciada e volátil; desindustrialização precoce, privilegiando a alocação de recursos para o setor de não-tradables; elevado gasto do governo com juros, particularmente a absurda taxa implícita de juros sobre a dívida líquida, tornando necessária uma carga tributária fora do padrão internacional; indexação do todo o sistema bancário e de capitais à taxa Selic (a chamada cultura do DI), deslocando toda a curva de juros para cima e confinando-os ao curto prazo; sistema monetário com duas moedas, uma moeda normal e outra "jabuticaba", para a qual o Banco Central garante liquidez e paga taxa Selic, como se fosse remunerar um investimento, privativa dos bancos comerciais e daqueles que aplicam no "overnight" e operações compromissadas do Banco Central; baixa taxa de investimento produtivo; estímulo para que os jovens talentos sejam atraídos não pela atividade produtiva, mas para atividades que apropriam aquilo que é produzido etc
O que defendemos aqui é que se deve desatar o "nó górdio" já. Uma vez desatado, o próprio mercado vai se ajustar, desencadeando uma sequência de mudanças. A lista acima nos dá ideia da magnitude e extensão que ela desencadeará. A referência básica para avaliar as mudanças é muito simples, devemos aproximar os parâmetros da nossa economia aos padrões internacionais, particularmente das mais dinâmicas do mundo desenvolvido. Desta forma, a economia brasileira caminhará para um novo equilíbrio muito superior, mais dinâmico e mais estável. Com taxa de juros fixada pelo Banco Central, ajustada no seu nível e na forma de fixação (regras operacionais do banco central), aos padrões internacionais, o fundamental é que alocação dos fluxos financeiros nacionais e internacionais e dos jovens talentos sofrerão mudanças, deslocando-se para atividades produtivas. A taxa de câmbio caminhará para um nível mais competitivo e estável, a desindustrialização poderá ser revertida, a taxa de investimento deverá aumentar e a produtividade ganhará um novo dinamismo.
Caberia às autoridades públicas antecipadamente mapear, planejar e estudar detalhadamente as mudanças da sua direção e a sua velocidade para, previamente, remover os obstáculos legais e institucionais. Caberia sim direcioná-los, mas evitando a tentação de regulação burocrática excessiva que caracteriza o Estado brasileiro. Desta forma, podemos caminhar em direção ao novo equilíbrio mencionado.
Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).
Fonte: Valor Econômico
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