• Ex-presidente cometeu deslizes ao falar sobre investimento externo, exportação de alimentos e PIB do Brasil
Thiago Herdy e Mariana Sanches – O Globo
SÃO PAULO - Para tentar reconquistar a confiança do empresariado nacional e internacional no governo Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreu nesta semana a uma enxurrada de números e indicadores para sustentar a continuidade das conquistas sociais e econômicas de seu governo na gestão de sua sucessora.
Uma análise feita pelo GLOBO do discurso que ele fez num evento da Câmara de Comércio França-Brasil mostra, no entanto, que o ex-presidente cometeu vários deslizes em sua fala. Indicadores como investimento externo direto, dívida bruta e corrente de comércio, citados por Lula como “êxitos dos últimos 12 anos”, na verdade pioraram durante o governo Dilma.
O ex-presidente se enganou ainda ao citar dados sobre reajuste salarial, informações sobre exportação de alimentos e também a posição do PIB do Brasil no mundo, em especial na comparação com outras nações emergentes.
A assessoria do Instituto Lula informou que o ex-presidente não adota a paridade monetária para falar sobre o PIB, apesar de esta ser considerada pelo Banco Mundial a medida mais adequada para comparar economias. O instituto admitiu que Lula se equivocou sobre dados relativos à exportação de alimentos e diz haver diferentes dados sobre os índices de reajuste salarial do Dieese.
É isso mesmo
- "Em 2013, o Brasil se tornou o segundo maior investidor externo na União Europeia"- Os dados consideram principalmente o investimento de empresas brasileiras em Portugal e Espanha.
Investidores externos da UE (em euros):
EUA - 313 bilhões / Brasil - 21 bilhões/ Suíça - 18 bilhões
- "O salário mínimo, em 12 anos, aumentou 72%" - Segundo o Dieese, este é o índice de ganho, descontada a inflação.
Evolução do salário:
2002: R$ 200/ 2006: R$ 350/ 2010: R$ 510/ 2014: R$ 724
- "Saímos de 70 milhões de brasileiros com contas bancárias para 120 milhões" - Contas poupança, segundo a Febraban:
2010: 97 milhões/ 2011: 98 milhões/ 2012: 112 milhões/ 2013: 125 milhões
- "Com o ProUni, colocamos 1,5 milhões de jovens de periferia para fazer universidade" - De acordo com o MEC, 31,1% dos estudantes de ensino superior estão no ProUni.
- "Há 12 anos, tínhamos 37 milhões de passageiros em aeroportos. Ano passado, foram 113 milhões" - Lula acertou, mas com pequena diferença.
Passageiros transportados no Brasil, segundo Abear:
2002: 36 milhões/ 2006: 49 milhões/ 2010: 79 milhões /2013: 111 milhões
- "Aumentou produção de automóvel de 1,8 milhão para 3,7 milhões" -Produção brasileira de veículos, segundo a Anfavea:
2002: 1,6 milhão/ 2006: 2,4 milhões/ 2010: 3,3 milhões/ 2013: 3,7 milhões
Não é bem assim
- "No ajuste fiscal que fiz em 2003 e 2004, elevei o ajuste primário para 4,2%" - De acordo com o Banco Central, a elevação foi menor.
Resultado primário do setor público (% do PIB):
2002: 3,22/ 2003: 3,27/ 2004: 3,72/ 2005: 3,79
- "A ONU adota o bolsa família como o mais importante programa de transferência de renda do mundo" - Embora o programa seja citado como exemplo para a erradicação da pobreza, a ONU também cita o programa Oportunidades, do México, como iniciativa no mesmo patamar.
- "94% dos acordos salariais em 12 anos foram feitos com aumentos salariais reais, acima da inflação" - Segundo o Dieese, apenas em 2012 o índice citado foi alcançado; nos outros anos, não.
Balanço de reajustes acima da inflação (%):
2009- 79,9/ 2010- 88,8/ 2011- 87,5/2012- 95,1/ 2013- 86,9
- "O BNDES é o único banco brasileiro com inadimplência zero, é o único que só empresta para quem pode pagar" - A "inadimplência zero” é obtida graças à rolagem constante das dívidas, peculiares de um banco público de fomento. Foi assim em relação às dívidas das empresas de Eike Batista, por exemplo.
- "Entre 2008 e 2013 o país produziu superavit primário médio de 2,58%" -Para alcançar a média, o governo usou artifícios, como o uso de ações da Petrobras compradas pelo BNDES em 2012 e a contabilização do parcelamento de dívidas de empresas, realizado contra a vontade da Receita Federal.
- "O Brasil tem hoje o sétimo PIB da economia mundial, o segundo maior entre os grandes países emergentes, depois da China" - Segundo o Banco Mundial, o Brasil está em quarto colocado entre os emergentes. O cálculo por paridade de poder de compra é a melhor maneira de comparar o tamanho de diferentes economias.
Maiores economias:
1- EUA/ 2- China/ 3- Índia/ 4- Japão/ 5- Alemanha/ 6- Rússia/ 7 Brasil
- "O Brasil é o segundo maior exportador de alimentos" - Na verdade, é o quarto.
Exportação de alimentos no mundo, segundo a OMC (em dólares):
EUA: 138 bilhões/ Holanda: 84,3 bilhões/ Alemanha: 78,4 bilhões Brasil: 77,2 bilhões
- "Estamos ampliando o investimento público em educação há 12 anos" -Nos três primeiros anos do governo Lula, o investimento em relação ao PIB foi menor que no último ano de FH. Subiu apenas a partir de 2006.
Investimento em educação (% do PIB):
2002: 4,8%/ 2003: 4,6%/ 2004: 4,5%/ 2005: 4,5%/ 2006: 5%/ 2012: 6,4%
Nos anos Dilma, foi pior
- "O PIB per capita passou de 2,8 mil dólares para 11,1 mil dólares" - No primeiro ano de Dilma, o PIB cresceu até 12,5 mil dólares, mas caiu e não voltou ao mesmo patamar, segundo o Banco Mundial.
PIB per capita (em dólares):
2010- 10,9 mil/ 2011- 12,5 mil/ 2012- 11,3 mil/ 2013- 11,7 mil
- "Há 10 anos consecutivos a inflação se mantém dentro das metas estabelecidas pelo governo" - Para o mercado, ao comemorar índices que ficaram distantes do centro da meta, o governo passa a mensagem que a meta real não corresponde ao centro, como aponta o discurso oficial. Para manter dentro da margem, o governo segura preços, como da energia elétrica, gasolina e diesel.
- "A reserva de 380 bilhões (de dólares) corresponde a 18 meses de importações" - Para não perder reservas, o governo atua no mercado futuro de câmbio. Até o fim do ano, deverá manter uma posição vendida de cerca de 100 bilhões, o que equivale a quase um quarto das reservas.
- "Saímos de fluxo de balança comercial de 107 bilhões de dólares em 2007 para fluxo de 482 bilhões em 2013. Não é pouca coisa" - O crescimento dos anos Lula não se repetiu e o fluxo ficou estagnado.
Corrente de comércio, segundo o MDIC (em bilhões US$):
2010: 383,7/ 2011: 482,3/2012: 465,7/2013: 481,8
- "Há três anos o Brasil está entre os cinco maiores destinos de investimento externo direto do mundo. Em 2013 foram 64 bilhões, um bilhão a menos que em 2012" - Segundo a ONU, o Brasil caiu da quinta para a sétima posição no ranking de investimento direito em 2013, quando recebeu 4% a menos de investimento. No fluxo mundial o aumento foi de 11%. Entre os emergentes, de 6%.
- "A dívida pública bruta está estabilizada em torno de 57% do PIB" - A dívida pública cresceu no governo Dilma.
Dívida pública bruta, segundo o BC:
dez/2010: 53,3%/ dez/2011: 54,1%/ dez/2012: 58,8%/ abr/2014: 57,7%
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