- O Estado de S. Paulo
Confirmaram-se as expectativas de que as eleições presidenciais de 2014 seriam as mais disputadas e imprevisíveis desde 1989. Chegamos à véspera do 1.º turno com ao menos duas dúvidas importantes a afetar boa parte do eleitorado: uma, sobre se eleição se resolverá já agora (bem improvável); outra, ainda maior, sobre quem será o adversário de Dilma Rousseff no (muito provável) 2.º turno. Nenhuma eleição presidencial desde a redemocratização apresentou tantas reviravoltas como a atual.
Dois tipos de fatores explicam a imprevisibilidade e as reviravoltas: os conjunturais e os estruturais, que acabam por se entrelaçar. Vejamos os conjunturais: (1) a entrada de Marina Silva na campanha, da forma como se deu, desorganizando as referências eleitorais estabelecidas desde 1994 (a bipolarização PT-PSDB), com o que minguou de início a candidatura de Aécio Neves; (2) a recuperação parcial das popularidades do governo e da presidente, impulsionadas pelo amplo tempo de propaganda na TV e no rádio; (3) os erros, ambiguidades e recuos de Marina - além dos ataques recebidos - que desinflaram sua candidatura e ocasionaram (4) a recuperação de Aécio, cuja curva de intenções de voto convergiu com a da candidata do PSB.
Quanto aos fatores estruturais, de mais longo prazo, destaca-se a melhora significativa das condições de vida no País nos últimos 25 anos e a paradoxal frustração produzida ao final desse período. Temos aí: (1) a universalização de diversos serviços sociais na esteira da Constituição de 1988, que uma vez realizada propiciou um novo tipo de demanda: a da melhora desses serviços; (2) a estabilização monetária propiciada pelo Plano Real, que gerou uma redução inicial da pobreza e possibilitou uma reorganização econômica geral; (3) a grande mobilização social dos anos Lula, com a redução significativa da pobreza e da desigualdade, acompanhada da ascensão econômica de um amplo contingente populacional (a chamada "classe C"), que passou a almejar maior status social e melhores serviços públicos; (4) o estancamento desse progresso no governo Dilma, fazendo com que as expectativas - aumentadas justamente pelos ganhos anteriores - fossem frustradas, alimentando a insatisfação.
Esses fatores estruturais - em particular o quarto - explicam a eclosão das manifestações de junho de 2013, bem como do disseminado anseio por mudança detectado por diversas pesquisas. O progresso social explica o sucesso eleitoral do PT nas duas últimas eleições e o patamar ainda significativo de apoio que o atual governo aufere - a soma de "bom-ótimo" (39%) e "regular" (37%) no penúltimo Datafolha indica que três quartos do eleitorado consideram, no mínimo, satisfatória a atual gestão. Por outro lado, o estancamento da melhora abre espaço para as oposições e aumenta a chance dos desafiantes.
Entre os eleitores mais pobres e os de menor escolaridade (há muita sobreposição aí) Dilma sempre liderou com ampla margem (e vem crescendo) e Aécio ficou o tempo todo atrás de Marina (embora suas intenções de voto tenham começado a convergir). Quando se considera o eleitorado da "classe C" (renda de 2 a 5 salários mínimos), Dilma foi superada por Marina no começo, mas voltou a ultrapassá-la. É esse justamente o setor que mais progrediu socialmente nos anos Lula, por isso mesmo teve suas expectativas mais ampliadas e, consequentemente, frustradas pelo estancamento do governo atual. Foi o que mais oscilou, pareceu dar espaço a Marina e, agora, devolve o favoritismo a Dilma.
Conjuntura e estrutura se entrelaçam: compõem o eleitorado mais volátil exatamente aqueles cuja ascensão anterior mais contrastou com as frustrações recentes. Os da base da pirâmide também progrediram, mas frustraram-se menos, pois seu progresso não os levou a patamar suficiente para clamar por maior status. Por isso mesmo, estão mais satisfeitos e vem deles o grosso do voto governista mais fiel.
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