• Aécio rotulou Marina como "PT 2", colocando a verossimilhança a serviço da inverdade
- Folha de S. Paulo
A se dar crédito às sondagens, os holofotes devem ser redirecionados do dia do voto, amanhã (5), para o dia seguinte. Na segunda, o candidato barrado --Marina ou, mais provavelmente, Aécio-- terá em suas mãos uma oportunidade, talvez única, de conferir natureza competitiva ao segundo turno. Se tergiversar ou dilatar o prazo, estará sacramentando a vitória de Dilma --e, por consequência, ajudando a parir um governo de crise.
Aécio emergiria da derrota como uma figura menor: a personificação, ainda que circunstancial, da ruína do PSDB. Para reconstruir o partido, os tucanos se veriam na obrigação de revisitar a longa trajetória de uma falência política ilusoriamente obscurecida pelo protagonismo de Alckmin (2006) e Serra (2010), que alcançaram o turno final. O candidato batido sabotará essa tarefa tão traumática quanto indispensável se não declarar um apoio engajado, incondicional, à postulação de Marina.
Premido pela lógica da campanha, Aécio não só bombardeou Marina com críticas legítimas, mas também recorreu a uma arma química, rotulando-a como "PT 2". Nessa trilha, a verossimilhança, derivada do passado da candidata, foi posta a serviço da inverdade. O núcleo econômico da plataforma de Marina quase não se distingue das propostas tucanas. O PT tem razão quando descreve os dois oposicionistas como galhos de uma mesma árvore, pois a convergência situa-se no solo firme da filosofia política: o lugar do Estado e do mercado na economia.
"PT 2" é, portanto, um erro conceitual. Adicionalmente, na hipótese provável, ricochetearia como erro eleitoral, complicando a equação do chamado ao voto em Marina. Aécio pode somar um erro a outro, fazendo do rótulo um álibi para lavar as mãos de modo explícito ou disfarçado. Nesse caso, estaria dizendo aos eleitores que os tucanos nunca levaram a sério suas proclamações de campanha, preferindo conservar a hegemonia do PSDB no campo oposicionista a derrotar o governo. A mensagem equivaleria a uma confirmação do discurso "marineiro" sobre o paralelismo entre PSDB e PT.
Na outra hipótese, de que Marina naufrague no primeiro turno, o cenário é mais complexo. Ao longo dos últimos meses, os "marineiros" difundiram um curioso argumento assimétrico. Dirigindo-se aos eleitores oposicionistas, profetizaram que Marina venceria Dilma no segundo turno agregando os votos de Aécio, mas que o inverso seria inviável, pois o tucano não poderia contar com os votos de sua candidata. A natureza oportunista da profecia evidencia-se pela óbvia circunstância de que, caso seja descartada amanhã, Marina tem o privilégio de prová-la verdadeira, depois de amanhã.
Quatro anos atrás, Marina recusou-se a apoiar Serra, associando-se objetivamente ao triunfo de Dilma. Daquele gesto, extraiu o benefício de consolidar a narrativa da "terceira via", equidistante dos polos do PT e do PSDB, que combinou com o estandarte insubstancial da "nova política" para emergir como favorita nas efêmeras semanas seguintes à morte trágica de Eduardo Campos. No fim, porém, a fórmula "sonhática" não passou na prova de fogo do confronto eleitoral direto. A campanha de Dilma apelou à difamação e à mentira factual, confirmando o desprezo do lulopetismo pelas regras do debate político civilizado. Mas, por essa via pervertida, comprovou que Marina entrega-se a um exercício de futilidade quando descreve o PSDB como a face simétrica e complementar do PT.
Marx assegurou-nos de que a história apresenta-se sempre em duas versõesa primeira, como tragédia; a segunda, como farsa. Não é preciso acreditar nisso para concluir que, repetindo o gesto de 2010, Marina ofereceria um espetáculo farsesco. Ela estaria dizendo que sua plataforma política, nitidamente oposicionista, foi "escrita a lápis". E que, como tantos desconfiam, ela mesma é um rascunho em permanente mutação.
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