- O Estado de S. Paulo
Veja leitor, que injustiça e absurdo! O centroavante palmeirense Henrique, artilheiro do Brasileirão, com 13 gols, corre o risco de ser rebaixado. Enquanto isso, o zagueiro cruzeirense Dedé, autor de um mísero golzinho, ao que tudo indica será campeão. E você bem sabe: como o que importa para a vitória no futebol são gols, é uma inversão de valores que um goleador caia de divisão, enquanto o autor de um único tento se sagre campeão!
O leitor minimamente inteirado do futebol deve ter pensado que o colunista enlouqueceu - ainda mais por se tratar da editoria de Política, e não a de Esportes. Mas o argumento absurdo foi necessário para chamar a atenção para disparate equivalente na esfera da política, insistentemente repetido na última semana. Equivale ao estapafúrdio raciocínio futebolístico acima analisar um campeonato de equipes como se fosse uma corrida entre indivíduos.
Refiro-me à comparação entre parlamentares eleitos com votações pífias e os não eleitos muito bem votados. Exemplo do equívoco veio do Jornal Nacional, na terça-feira: o deputado Mendes Thame (PSDB-SP), 49.º mais votado em São Paulo, com mais de 106 mil votos, foi excluído dos 70 eleitos. Enquanto isso, o advogado Fausto Pinato (PRB-SP), guindado pelos votos do artilheiro do campeonato - digo, puxador de votos - Celso Russomanno - se elegeu com 22 mil escrutínios. Para reforçar o argumento, a reportagem ressaltou que entre ambos havia muitos candidatos mais votados do que Pinato, porém não eleitos. Foi como comparar Henrique com Dedé, entre os quais há inúmeros jogadores que fizeram mais gols do que o cruzeirense, mas não serão campeões.
O sistema adotado para a eleição de deputados e vereadores é o proporcional de lista aberta. Já que para fins eleitorais é impossível calcular proporções de indivíduos (que, como o nome diz, são indivisíveis), calculam-se proporções da casa legislativa em disputa. Assim, grosso modo, se o partido obtiver 10% dos votos em São Paulo, que tem 70 deputados federais, elegerá 7 pessoas.
A votação individual de cada candidato serve para duas coisas. Primeira, definir o lugar de cada um na fila do partido (ou coligação). Assim, no exemplo acima, os sete mais votados entram, ficando todos - do 8.º lugar em diante - no banco de reservas, a suplência. É como se um treinador tivesse como critério de escalação para o time titular o número de gols feitos. Só que, note-se: seriam escalados apenas os com mais gols, mas pertencentes à equipe. É impossível ao treinador de um time escalar jogador de outro, mesmo que mais goleador.
A segunda finalidade da votação em indivíduos é contribuir para a votação total do partido - da mesma forma que os gols feitos por quaisquer jogadores de uma equipe contam para o número total de tentos marcados por ela.
Assim, não são apenas os puxadores de voto que ajudam a eleger candidatos menos votados. Também os votos dados aos candidatos de um partido que não se elegeram contribuem para a votação total do partido. No caso do deputado Thame, os votos dados a ele contaram para a votação total do PSDB. Isso quer dizer que o eleitor de Thame não perdeu seu voto - foi como votar na legenda.
Os votos de legenda contam da mesma forma que os demais - só não definem o lugar na fila. As coligações proporcionais embaralham os partidos e as percepções do eleitor, pois criam combinados de partidos. Porém, não alteram a lógica básica.
Como futebol, eleição proporcional não é disputa entre indivíduos, mas entre equipes - embora cada indivíduo contribua desigualmente para a vitória de seu time. A vitória apenas dos mais votados vale em disputas individuais, como corridas, em que o primeiro ganha e os demais, no máximo, sobem ao pódio. É a lógica da eleição para o Senado. No Tocantins, Katia Abreu venceu por menos de 1% dos votos. Justo, pois é a regra do jogo. Para isso, contou com o apoio de sua equipe, mas a medalha é sua.
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