• Especialistas avaliam que momento da divulgação foi inoportuno devido às eleições
Cleide Carvalho e Tatiana Farah – O Globo
SÃO PAULO - A Justiça Federal do Paraná afirmou ontem, por meio de nota, que os depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e do doleiro Alberto Youssef não fazem parte da delação premiada e não estão protegidos pelo sigilo legal garantido aos réus que assinam esse tipo de acordo. Os dois falaram ao juiz Sérgio Moro na ação penal em que respondem por lavagem de dinheiro e ocultação de bens - que, por decisão do Supremo Tribunal Federal, tramita na 13ª Vara Federal do Paraná, ao lado de outras nove abertas com base na Operação Lava-Jato. Esta ação penal não é protegida por segredo de Justiça.
Num despacho em que autorizou o compartilhamento dos depoimentos como prova na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Petrobras, o juiz Sérgio Moro afirmou que a ação é pública e, portanto, eles não foram "vazados" pela Corte ou por "quem quer que seja". Para ele, a divulgação pela imprensa é "um consectário normal do interesse público e do princípio da publicidade dos atos processuais em uma ação penal na qual não foi imposto segredo de justiça".
Acesso exige requerimento
O juiz defendeu que a transparência é a "única forma de garantir o escrutínio público sobre a gestão da coisa pública e sobre a integridade da Justiça".
O acesso aos autos da ação penal na 13ª Vara Federal do Paraná é permitido a qualquer cidadão. O processo eletrônico pode ser consultado no site da Justiça Federal, mas, para obter autorização de acesso, é preciso fazer requerimento ao juiz, justificando o interesse. A decisão de permitir ou não é dele. No caso da imprensa, o interesse é informar a sociedade sobre a administração de empresas e recursos públicos.
Além de compartilhar as provas com a CPMI da Petrobras, o juiz autorizou ontem o compartilhamento com a Controladoria Geral da União (CGU) e com apurações internas da estatal. Nos dois casos, determinou que os resultados sejam encaminhados à Justiça.
Citados não têm foro
A delação premiada de Youssef e Costa integra a ação a cargo do Supremo Tribunal Federal, uma vez que políticos suspeitos de participar do esquema têm foro privilegiado - entre eles há governadores, senador e deputados federais. Citados nos depoimentos divulgados pela imprensa, João Vaccari Neto, apontado como operador do PT, e Fernando Soares, que seria operador do PMDB, segundo Youssef, não ocupam cargos públicos e, portanto, não têm privilégio de foro.
O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque ingressou com ação penal privada por crime contra a honra contra Paulo Roberto Costa, que acusou a diretoria que comandava de desviar propina para o PT. Na ação apresentada ao Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro, os advogados argumentam que as acusações de Costa são falsas e que não foram apresentadas provas. Edson Ribeiro, advogado de Nestor Cerveró, que foi diretor da área internacional da estatal, disse que seu cliente deixou o cargo em 2008, antes do período investigado, e que Costa foi constrangido a falar.
Um dos coordenadores de campanha da presidente Dilma Rousseff e ex-presidente da Petrobras Biocombustível, Miguel Rossetto divulgou artigo ontem classificando o vazamento dos depoimentos como uma tentativa de "manipular" a eleição. O ex-ministro de Desenvolvimento Agrário do governo Dilma disse ainda que as acusações foram feitas sem provas.
"Há em curso uma gravíssima tentativa de manipular a eleição presidencial no Brasil. A quinze dias das eleições, justamente no dia do primeiro programa eleitoral do segundo turno, um vídeo de um criminoso investigado é vazado de forma parcial e mal intencionada", diz trecho do artigo.
Apesar de não haver sigilo de Justiça no processo, especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliaram que o momento de tornar público o conteúdo do depoimento foi inoportuno por causa das eleições.
Ex-procurador-geral do Estado de São Paulo, o advogado Marcio Sotelo Felippe considerou que a divulgação "fere o princípio do Estado democrático de direito".
- O bom senso condena (a divulgação). O juiz deveria evitar qualquer conduta que possa ser considerada interferência no processo eleitoral. Isso não ajuda no processo democrático. E não se trata de decisão final, mas de processo em curso - disse Sotelo.
Interferência eleitoral
O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Marcelo Figueiredo, considerou inadequada a divulgação.
- Não acho adequado. É um caso muito rumoroso e não é adequado que esses depoimentos venham à tona durante toda essa comoção eleitoral - afirmou.
Para Figueiredo, o correto seria não divulgar neste momento, para não alimentar a disputa eleitoral.
- Ainda que não tenha sido a intenção do juiz, isso acaba alimentando - concluiu.
O jurista Fávio Konder Comparato concordou com os colegas:
- Divulgar isso agora é um tanto quanto suspeito.
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