- Sem palanques, candidata do PSB apostava no discurso
- Valor Econômico
No ano em que mais se falou de 'nova política', as eleições brasileiras mostram - às vésperas do primeiro turno - a força das práticas tradicionais, das regras do jogo e como a bolha de emoção e esperança em torno de Marina Silva se esvaziou na reta final.
Nas corridas estaduais, é o velho PMDB quem deve eleger o maior número de governadores, embora com população menor à que será administrada pelo PSDB.
O grande desfalque na "velha política" vem do Maranhão, com a provável derrota do clã Sarney - dono da mais longa hegemonia regional, iniciada há 48 anos. O que não significa que o fracasso nas urnas não possa ser resolvido no tapetão, como ocorreu em 2009 com a cassação do mandato de Jackson Lago, e sua substituição por Roseana Sarney.
O terceiro turno dos tribunais está entre as artimanhas das raposas da velha política, geralmente associada à 'velha Justiça'.
O sopro de mudança da campanha de Marina já seria uma novidade, ainda que a candidata do PSB tivesse um discurso antigo. Quebrar a polarização de 20 anos entre PT e PSDB é uma façanha por si mesma, que independe do conteúdo político de quem o conduz.
Mas com Marina o discurso é tudo - ou quase tudo. A presidenciável subiu vertiginosamente por causa dele. E também passou a cair, rapidamente, por ele.
Não há grandes deserções entre seus apoiadores. Ou uma "cristianização" de sua candidatura pelo PSB, que chegou a ser cogitada após a morte de Eduardo Campos, pelo receio de dirigentes da legenda perderem espaço para o Rede, grupo liderado pela ex-senadora.
As explicações para o crescimento e declínio de Marina passam pouco pelas estruturas partidárias, alianças - às quais, aliás, ela sempre foi refratária - embora tenham a ver com o poder de fogo dos adversários.
Marina caiu porque o discurso da 'nova política' começou a se desmontar tão logo suas contradições ficaram evidentes. O rápido sucesso da candidatura tornou iminente a vitória e antecipou um pragmatismo que, em condições normais, apareceria mais tarde, sobretudo na formação de governo.
Cinco dias depois da morte de Campos, o Datafolha apontava em 18 de agosto, na primeira pesquisa com Marina, que a candidata do PSB já aparecia em segundo lugar, com 21%, contra 20% de Aécio Neves e 36% de Dilma. Em 26 de agosto, o Ibope mostrava que a ex-senadora encostava em Dilma, 34% a 29%, contra 19% do presidenciável tucano. Três dias depois, Marina divulgava seu programa de governo, em São Paulo, horas antes do Datafolha confirmar, à noite, que a desafiante já empatava em 34% com Dilma Rousseff.
Marina não era mais uma promessa sonhática. Era a própria expectativa de poder. E, como qualquer raposa política, passou a ter que administrá-lo. A ousadia para ganhar cedeu lugar ao medo de perder.
No dia seguinte ao lançamento do programa de governo, o recuo nas propostas para a comunidade LGBT marcou a inflexão pragmática, a partir de pressões de grupos religiosos. O compromisso com a independência do Banco Central - do qual Marina divergia de Campos - veio antes, mas deve-se mais a uma estratégia deliberada de aproximação com o mercado e competição com o PSDB do que a uma mudança de rota.
Lidar com interesses conflitantes - como se já antecipasse a tarefa de governar - passou a ocupar o centro das preocupações da campanha. A liderança nas pesquisas acelerou a busca intensa de contato entre a ambientalista e o agronegócio.
O disparo dos primeiros torpedos do PT - comparando Marina a presidentes que caíram por falta de apoio partidário, como Jânio Quadros e Fernando Collor - exigiu respostas que balançaram a narração da 'nova política'.
A face realista da campanha, o candidato a vice, Beto Albuquerque, foi quem transmitiu a má notícia, pondo fim à história da carochinha de escolher 'os melhores': não dá para governar sem o PMDB.
Desabava o principal pilar do discurso de Marina - que já não se apoia tanto nele, seja por falta de convicção, porque o truque foi revelado ou por passar mais tempo a retrucar os ataques do PT do que a apresentar suas ideias.
A campanha dilmista - com 5,5 vezes mais tempo de propaganda de rádio e TV - empurrou Marina para as cordas. Na defensiva, a pessebista é enredada pela agenda petista que inclui temas como pré-sal e a preservação das leis trabalhistas. Acossada, Marina tropeça nos próprios erros, como a declaração de que votou a favor da CPMF quando era senadora.
Inesperadamente, Marina tem falhado onde é melhor: no discurso, no uso da palavra, de onde vem sua força. A saída estratégica, por meio da vitimização, não deu certo. Pelo contrário. Difundiu no eleitorado a sensação de que lhe falta "pulso firme", de que seria fraca e volta atrás a todo momento.
A velha Marina, sonhática, não teve tempo de se adaptar à nova Marina, mais pragmática, na exigência da disputa pelo poder como ela é. Até a voz falha, numa rouquidão que não sara nos últimos dias.
O ímpeto de responder a cada provocação do - pai ou irmão mais velho - PT amplificou questões que, ignoradas ou subestimadas, resultariam em menos desgaste. As explicações venceram a esperança. Ao menos no primeiro turno.
Marina terá mais três dias para resistir, não ser ultrapassada por Aécio e evitar a repetição da dinâmica eleitoral - lembrada aqui há quatro semanas - que aconteceu em São Paulo, em 2012, com o então candidato à prefeitura, Celso Russomanno (PRB). Se sobreviver, as regras do jogo lhe serão mais favoráveis, com a divisão igualitária do tempo de TV. Mas seja como for a 'nova política' de Marina desvaneceu-se em algum ponto do primeiro turno.
À ex-senadora cabe encontrar o modo de reencantar os simpatizantes perdidos. Acertar o discurso, independentemente de rótulos, e atrair aqueles que a veem - e a valorizam, pela trajetória pessoal - como uma espécie de novo Lula.
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