• Tratar a distribuição de renda fora do contexto do crescimento é um compromisso impossível de ser atingido
- Valor Econômico
Os principais analistas das coisas da política e da economia exercitam nos últimos dias a difícil tarefa de decifrar as cores do segundo mandato de Dilma Rousseff. Vai mudar, ou não, a forma de governar nosso país? Vai seguir suas convicções, hoje tão conhecidas, ou buscar nos ensinamentos de Lula outro manual de governança? Se mudar, vai conseguir manter o mesmo rumo durante seus quatro anos de mandato ou fará uma volta atrás quando as dificuldades se apresentarem?
Também me sinto empurrado para esse desafio de prever o comportamento de uma pessoa tão complexa como ela. Sinto que o leitor desta coluna espera este meu esforço de reflexão. Meus próximos passos, como investidor na Foton do Brasil, levam também na mesma direção. Vamos lá então.
Nossa presidenta é, sem dúvida nenhuma, uma pessoa de esquerda clássica e que procura exercitar na Presidência da República os valores tradicionais dessa vertente política. Dilma Rousseff estudou no Instituto de Economia da Unicamp e tem, entre seus principais interlocutores, técnicos de um corte keynesiano desenvolvido na Universidade de Cambridge no Reino Unido. Esta me parece uma informação relevante para decifrá-la em seu labirinto ideológico.
O centro do pensamento dessa escola é a leitura de que as economias de mercado são sistemas instáveis por natureza e que só a intervenção contínua dos governos pode garantir um crescimento econômico de longo prazo. Por isto me parece que na questão do papel do Estado na economia não vai haver uma inflexão no segundo mandato. O Palácio do Planalto vai manter as rédeas da política econômica e usar os instrumentos disponíveis - como os bancos públicos, as empresas estatais e principalmente o Orçamento - para exercer sua missão. Em outras palavras, o setor privado continuará a ter um papel apenas complementar às ações do setor público.
O espaço para a ortodoxia virá da definição de limites mais rígidos na expansão do crédito - principalmente BNDES - na poupança fiscal para pagamento dos juros da dívida pública e na ação do Banco Central no controle da inflação. As regras de participação do setor privado na exploração de serviços públicos também podem ser alteradas para aumentar os investimentos neste setor. Aliás, um bom sinal neste sentido foi o fato de que, nas eleições, a denúncia da privatização da Telebras - e outras - foram deixadas de lado pela candidata.
Mas outro compromisso clássico das esquerdas -ações afirmativas de melhoria da distribuição de renda para as camadas mais pobres da sociedade - foi destacado pela presidenta como "imexível" nesse seu segundo mandato. Parece-me sincera essa prioridade, mas me preocupa o fato de ter sido colocada sem uma qualificação necessária: para que seja realizada, a economia deverá voltar a crescer a taxas mais elevadas, como aconteceu nos anos Lula a partir de 2004.
A colocação correta deste compromisso de redução da pobreza deveria ser, portanto, a da busca do crescimento econômico nos próximos quatro anos e, isto ocorrendo, uma política que permita uma distribuição mais equitativa entre capital e trabalho. Solto no espaço, o objetivo de se redistribuir renda não só não é sério como pode ser deletério para a redução das desigualdades sociais. Este é o grande erro de algumas experiências mais recentes com governos de esquerda democráticos como o do presidente Hollande na França. Tratar a distribuição de renda fora do contexto do crescimento em economias de mercado é um compromisso impossível de ser atingido.
Aliás, o próprio Brasil de Dilma Rousseff é um exemplo cristalino dessa verdade, pois a estagnação dos últimos anos já se refletiu nos recentes dados sobre a pobreza no Brasil. E se essa situação não for revertida rapidamente a perda de renda vai chegar também - via emprego e salários perdendo da inflação - na chamada nova classe média, criada nos anos de ouro da era PT no poder. Os dados do emprego industrial para o mês de setembro, e que foram divulgados pelo IBGE na semana passada, são cristalinos neste sentido. Cansada de esperar por melhores tempos, a indústria finalmente partiu para as demissões como instrumento de ajustar seus resultados.
Enquanto escrevo esta coluna, foram divulgados os números do Caged relativos à criação de empregos em outubro passado: uma perda de 30 mil postos de trabalho no mês, contra uma previsão dos analistas de aumento de 30 mil. Em doze meses a criação de empregos chegou apenas a 174 mil, o menor número desde 2000, no final do governo FHC.
Sem uma mudança importante nas prioridades atuais da política econômica a nova equipe da presidenta Dilma vai envelhecer rapidamente ao longo de 2015. Os números do desemprego, que tiveram uma importância significativa na sua vitória nas eleições passadas, vão continuar a perder o brilho, enfraquecendo politicamente seu governo. Em resposta a essa pressão o governo vai tentar usar algumas medidas adicionais de estímulo da mesma natureza das utilizadas até agora, enfraquecendo ainda mais as âncoras macroeconômicas que sustentam, ainda, alguma credibilidade dos investidores e empresários.
Vou parar de olhar minha bola de cristal por aqui e terminar esta coluna fazendo um apelo à nossa presidenta: não trilhe o caminho da ortodoxia de Cambridge e comece seu governo de uma outra maneira.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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