- Folha de S. Paulo
Há um código cordato na vida pública brasileira segundo o qual não se fala mal de mortos ou de espectros vivos entre nós. Quase invariavelmente, a hagiografia vem como bônus. O ocaso de José Sarney testará essa escrita.
O longevo cacique, que despediu-se de um plenário esvaziado no Senado na quinta (18), experimentou um declínio constante após os anos de Lula no poder, desaguando na virtual dissolução de sua capitania.
Para ficar nos dois exemplos mais gritantes desta agonia, seu grupo político perdeu o controle do Maranhão, com a filha renunciando para não passar a faixa ao desafeto eleito governador, e sua influência no setor energético está em vias de extinção.
Sarney, quando presidente da República acidental, ajudou honrosamente a costurar a redemocratização do país. Como gestor, legou-nos a hiperinflação e a eleição de Collor.
Nas suas passagens pela presidência do Senado, personificou como poucos o seu PMDB, fiador de qualquer governo desta república.
O problema começa aqui. A tal governabilidade brasileira é um boitatá faminto, montado sobre um sistema político disfuncional e singrando um oceano de má gestão, corrupção e patrimonialismo. Com efeito, as inúmeras acusações contra Sarney e os seus, ao longo dos anos e sem julgamento de mérito aqui, esbarram nessa descrição desanimadora.
Uma das coisas mais duras para um homem de poder é enxergar-se sem ele. Com 59 anos de vida pública, não deve ser fácil para Sarney pendurar as chuteiras. Um poderoso correligionário sugeriu, recentemente, que ele deveria ter se aposentado no auge proporcionado pela parceria com Lula: "Não soube largar o osso".
A imagem do senador desenhando o esboço de uma mulher voluptuosa dia desses, alheio à balbúrdia do plenário, e a melancólica sessão de adeus foram alegóricas. É com um suspiro, e não o proverbial estrondo, que Sarney parece deixar o palco.
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