- O Estado de S. Paulo
É evidente que as políticas públicas de um país devem seguir a lógica clara do interesse comum. E o interesse comum se materializa tanto na escolha eleitoral quanto nas preferências partidárias e ideológicas, mas, sobretudo, nas aspirações nacionais consolidadas na Constituição federal. Políticas públicas não são apenas desejos de partidos políticos. Muitas delas têm aspectos estratégicos que atravessam dois ou três mandatos presidenciais, transcendendo a partidos, políticos e mesmo coalizões. Entretanto, essa não parece ser uma lição entendida em nossos tempos.
Para iniciar, devemos distinguir o tipo de políticas que são abordadas neste texto. As políticas de partido são as que estão nos programas partidários, são as que orientam a luta política das agremiações. No Brasil, elas são praticamente inexistentes ou se camuflam em discursos populistas e/ou personalistas. Emergem aqui e ali, contaminando as políticas de governo e de Estado, quando deveriam, no máximo, instruir as políticas de governo.
As políticas de governo são as que se conectam através dos tempos, sofrendo mutações que se refletem nas eleições, nos governantes e nas circunstâncias. Elas devem, também, dialogar tanto com as políticas de partido quanto com as políticas de Estado. Sem pretender esgotar o assunto nem ser repetitivo, basta afirmar que as necessidades do País de planejamento e de estabilidade vão além de um mandato presidencial ou dois. Daí existir a imperiosa necessidade de termos políticas de Estado.
Políticas de Estado são, por exemplo, a política externa e a política de defesa, pois suas definições ultrapassam o período de uma ou duas gestões presidenciais. Também podemos incluir aí a gestão de empresas estatais, criadas não para atender a interesses ideológicos ou programáticos, e sim para atender aos interesses do País através dos tempos.
Atualmente, a profusão de escândalos comprova a confusão existente em muitas das esferas da vida pública nacional acerca das políticas públicas. É difícil distinguir o que é política de partido da política de governo. Bem como o que é política de governo do que seja política de Estado. O aparelhamento da máquina pública e a sua submissão a esquemas de poder também comprovam a situação. No Brasil de hoje, aparelhamento e corrupção andam juntos para financiar projetos políticos.
Obviamente, num cenário institucional ideal, as políticas de partido não devem prevalecer sobre as políticas de Estado. Estas devem estar acima dos interesses do momento e das políticas de governo e, em especial, acima dos interesses de um partido ou de uma coligação. Devem estar fundadas em valores e aspirações nacionais. Não é o nosso caso, já que nossas instituições ainda estão em diferentes estados gelatinosos.
O que vemos no Brasil é uma confusão intencional, pois existem segmentos que tentam se cristalizar no poder transformando políticas de partido e de governo em políticas de Estado. Tais segmentos querem que suas ideologias e propostas terminem se transformando em rumo certo de nossa nação. Assim, apropriam-se das políticas de Estado, escravizando-as para atingir propósitos que nem sequer são do governo. Isso não é certo e é um grave risco para a democracia.
O escândalo do petrolão prova tanto a ocorrência do fenômeno quanto o elevado grau de toxicidade para a vida nacional. O esquema desvendado pelas investigações aponta a exploração política e econômica da Petrobrás visando a favorecer políticos, partidos e empresas, por meio do pagamento de comissões por dentro e por fora e de uma imensa rede de troca de favores que, pasmem, chegava a gerar comissões em cima de comissões pagas!
As suspeitas consistentes apontam, também, a contaminação das práticas do petrolão para outras áreas de obras públicas. As mensagens do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa, em seu último depoimento na CPMI da Petrobrás, complementadas pelas declarações recentes do juiz Sérgio Moro, são claras nessa direção.
A extensão e a profundidade do petrolão e seus derivados trazem a conclusão rasteira de que resultados eleitorais foram maculados pelo abuso do poder econômico proveniente da corrupção. Não apenas em nível federal, mas em Estados e municípios. Declarações de envolvidos indicam que os recursos desviados foram endereçados a doações por dentro e por fora, a partidos e a políticos, aqui e no exterior.
Mas não apenas isso. Toda a grandiosidade do esquema revela que o interesse estratégico do País foi submetido a interesses menores de uma política corrompida pela prevalência dos interesses sobre os valores. Não houve apenas uma simples confusão entre partido, governo e Estado. Houve uma completa submissão do interesse nacional ao interesse de grupos e de partidos. Não pode ficar assim.
Dois caminhos se apresentam. Um, de natureza geral. As lideranças políticas e sociais do País devem se empenhar na reforma dos costumes sobre como fazer política e sobre como administrar a coisa pública. Há que existir uma clara divisão do que seja política de partido e de governo e interesses do Estado. Quem atenta contra os interesses do Estado atenta contra a segurança nacional e, em particular, a cidadania.
Objetivamente, a reforma dos costumes deve começar na Petrobrás, que é alvo da maior investigação no planeta numa empresa aberta. O governo deve demitir imediatamente a atual diretoria da estatal e buscar, no mercado, profissionais qualificados e independentes para geri-la. É o que resta a ser feito. Em não agindo de forma contundente neste momento, poderá ser tragado pela crise da Petrobrás de forma fatal. Em agindo de forma eficiente e contundente, poderá ser igualmente atingido, porém terá o mérito de ter feito a coisa certa mesmo depois de ter insistido no erro.
* Advogado, cientista político e doutor em sociologia (UNB), é autor do livro 'Reforma Política - O Debate Inadiável' (Civilização Brasileira, 2014)
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