• Qualquer modelo macroeconômico relevante deve analisar a estrutura de interações dos indivíduos
Valor Econômico
No período eleitoral, os mercados e seus porta-vozes levaram ao paroxismo as avaliações negativas sobre o desempenho da economia brasileira. O pessimismo dos senhores da racionalidade (não se sabe se da Razão Ocidental) deambulou entre o baixo crescimento da economia e a suposta adoção de uma nova e heterodoxa matriz macroeconômica.
Na avaliação dos porta-vozes do mercado, foram abandonadas a política de metas de inflação, o regime de taxa de câmbio flutuante e o compromisso com a geração de superávits primários compatíveis com a estabilização da dívida pública, calculada em termos brutos.
O ajuste fiscal é apresentado como o instrumento-chave do retorno à velha e boa matriz macroeconômica. O esforço de ajustamento fiscal será acompanhado de uma política monetária incisiva, o que levará o Banco Central a elevar com mais energia nas próximas reuniões do Copom a taxa Selic. A concomitância entre as duas metas - o resultado fiscal com metas progressivas de superávit primário e a busca do centro da meta de inflação - afrouxaria o mercado de trabalho e, assim, abriria espaço para a correção da taxa efetiva real de câmbio.
Aparentemente, os novos ministros apostam que não há conflito entre os instrumentos e os objetivos. A mídia em editoriais e quejandos clama pelo urgente "conserto" da economia, como se a tarefa se assemelhasse a uma oficina de reparações de máquinas conhecidas. No caso brasileiro, bastaria substituir a nova "rebimboca da parafuseta" por uma velha.
Tal projeção virtuosa está amparada nas várias versões e contravenções dos modelos ditos neo-neo-keynesianos que infestam, ou pelo menos infestaram até o colapso de 2008, os gabinetes de ministros e presidentes dos Bancos Centrais em todo o mundo. Esses modelos admitem a hipótese das "expectativas racionais". Simplificadamente, a hipótese advoga a ideia de que os agentes conhecem a estrutura da economia e sua trajetória provável. Os agentes racionais que povoam os mercados, usando a informação disponível sabem exatamente qual é a estrutura da economia e são capazes de calcular sua evolução provável.
Esses modelos, sobretudo os que se pretendem dinâmicos, não excluem flutuações da economia, mas atribuem o fenômeno aos chamados "ciclos reais" produzidos por mudanças nas preferências dos consumidores ou no progresso tecnológico. Para dirimir inconvenientes formais introduzidos pela presença nos mercados de uma diversidade de "indivíduos" com funções heterogêneas, os modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral resolveram o imbroglio com a introdução do "agente representativo". Uma espécie de demônio de Laplace ressucitado pelo toque de gênio dos macroeconomistas dos ciclos reais, das expectativas racionais e, last but not least, das políticas de metas de inflação.
A macroeconomia ensinada nas últimas décadas nas academias do mundo anglo-saxão não contemplava a existência de dinheiro, bancos ou mercados financeiros. Os mercados de crédito, de avaliação da riqueza e suas poderosas instituições - o sistema nervoso que comanda o capitalismo - são impedidos pela racionalidade dos "mercados eficientes" de desatar corridas para a liquidez e crises financeiras. Se não há dinheiro verdadeiro, não há demanda de liquidez.
Depois da crise de 2008/2009, os sábios apressaram-se em introduzir supostos ad hoc para contemplar as "fricções" engendradas pelas variáveis monetárias e financeiras. As torturas infligidas aos modelos para enfiar o dinheiro e o crédito foram de dar inveja a Guantânamo e terminaram em vexames lógicos e metodológicos.
Na realidade essa concepção da economia, digamos, "de mercado" é estática e o dinheiro entra na dança apenas como numerário, unidade de conta. A dinâmica da economia é movida pelas forças reais da abstinência e da poupança que, sem fricções, se transformam imediatamente em investimento. A trajetória apresenta suaves flutuações, mas a economia é sempre igual a ela mesma, ancorada nas expectativas racionais do agente representativo. Não há dinâmica no sentido de um movimento no tempo histórico. Assim, é possível postular uma parêmia inspirada em Woody Allen: "Se vamos fazer tudo certo, tudo vai dar certo"!
Desgraçadamente, nem mesmo a economia, com seus formidáveis e impressionantes modelos, pode suplantar a existência de indivíduos com funções heterogêneas. Proprietários e não proprietários dos meios de produção, bancos, empresas e consumidores, poupadores e empreendedores desempenham não só papéis diferentes, como estabelecem entre sí relações de determinação, controle e de poder. Essas decisões hierarquizadas são inerentes a uma Economia Empresarial ou Economia Monetária da Produção, como queria Keynes ao escapar dos grilhões da teoria clássica.
Há que concordar com o economista David Colander: "Qualquer modelo relevante em macroeconomia deve analisar não só as características dos indivíduos, mas também a estrutura de suas interações".
A historicidade imposta pelo tempo nos leva à consideração das decisões cruciais dos indivíduos que detêm o controle da riqueza. Respondendo às circunstâncias existentes, eles estão obrigados a enfrentar a incerteza para a projetar o futuro. Essas trajetórias condensam as decisões passadas dos agentes heterogêneos e, não raro, viram de ponta cabeça os resultados pretendidos. Nem tudo pode dar certo.
Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.
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