• O governo é novo mas suas práticas continuam iguais
- Valor Econômico
O segundo governo Dilma Rousseff começou de forma previsível, com um ministro sob o tacão do Palácio do Planalto para desmentir o que dissera na véspera. Na realidade, Nelson Barbosa (Planejamento) nem sequer cometeu alguma heresia partidária. É de conhecimento público que a regra do salário mínimo vai expirar e que um novo projeto terá que ser votado no Congresso. Em sua declaração, Barbosa inclusive tomou o cuidado de ressaltar que "continuará a haver aumento real do salário mínimo". É o que Dilma dizia na campanha e depois de eleita.
Nada do que disse Barbosa foi grave o bastante para fazer com que as engrenagens do Palácio do Planalto se movessem da mesma maneira que se moveram nos últimos quatro anos de Dilma, quando qualquer notinha de pé de página de jornal era motivo suficiente para cobranças duras, quando não escancaravam os portões para uma crise. Por telefone, de maneira abrupta. A lição a ser retirada do episódio é que as pessoas não mudam, apesar das juras públicas em contrário. O preço a ser pago pode ser muito alto porque a expectativa gerada, após as eleições, era de que muita coisa mudaria na rotina palaciana, a começar da própria presidente.
O enquadramento de um integrante da equipe econômica que mal havia tomado posse é preocupante, quando ainda hoje não está suficientemente claro o grau de autonomia que ela terá para fazer o ajuste das contas públicas. Já batizada de "troika" brasileira, apelido adotado na esquerda numa referência à "troika" que ajudou no ajuste de países europeus, a nova equipe econômica de Dilma já levara bolas nas costas antes até de tomar posse - recorde-se o caso do aumento de R$ 30 bilhões no capital do BNDES, antes de Guido Mantega apagar a luz.
Não é segredo para ninguém que o catecismo pelo qual rezam Joaquim Levy (Fazenda), Alexandre Tombini (Banco Central) e Barbosa não é o mesmo de outros poderosos do Palácio do Planalto e adjacências. Alimentar as suspeitas de que a equipe carece de apoio político justamente no núcleo mais próximo da presidente certamente não ajuda.
Quando Fernando Henrique Cardoso era presidente dizia-se que as crises saíam sempre menores do que entravam no Palácio do Planalto. Em geral tem acontecido o oposto nos governos do PT, desde Luiz Inácio Lula da Silva com José Dirceu de "capitão do time" e Antonio Palocci no comando da Fazenda. A DS, iniciais da Democracia Socialista, uma corrente interna do PT de inspiração trotskista, tornou-se majoritária entre os ministros do Planalto. Mas a seleção deve-se muito mais às relações pessoais de Dilma - afetivas e profissionais - do que a qualquer questão de ordem programática ou ideológica.
Um de seus representantes hoje no Planalto é o ministro Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), integrante sim da DS, mas com um histórico de moderação. Para citar apenas um exemplo, Rossetto foi uma das vozes favoráveis à negociação na crise que envolveu montadoras de automóveis (GM e Ford) e o governo de Olívio Dutra, no fim dos anos 1990, início dos 2000, no Rio Grande do Sul. Rossetto na Secretaria-Geral da Presidência da República conta com apoio, inclusive, de dirigentes do antigo campo majoritário do PT, o grupo do ex-presidente Lula e de José Dirceu. A maioria espera que Dilma dê mais atribuições a ele do que apenas cuidar dos movimentos sociais.
A indicação do novo chefe da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Pepe Vargas, também da DS, atendeu boa parte da bancada e abriu mais uma vaga na Câmara para o PT gaúcho. Mas o nome que importa é o de Aloizio Mercadante (Casa Civil), hoje o nome mais forte do Planalto, por isso mesmo a principal vítima da maledicência da corte. A última delas dá conta de uma conversa ocorrida em dezembro entre o vice Michel Temer e o ex-presidente Lula. Pelo menos dois interlocutores de Temer repetiram a mesma história, dias depois, a um mesmo interlocutor: Lula disse a Temer que os dois próximos anos serão muito difíceis, mas a economia melhora a partir de 2017. O problema é que Dilma precisaria conversar mais, o que ela não faz porque acha que já sabe tudo. Na verdade, a presidente hoje ouviria apenas uma pessoa, Aloizio Mercadante, que por sua vez "acha que sabe mais que ela".
Mercadante é o homem que telefona quando a presidente manda. Mal consegue disfarçar que pretende se candidatar em 2018, se Lula não for o candidato. Natural que esteja permanentemente na alça de mira dos partidos adversários e da concorrência interna. Seu futuro está relacionado com a sorte do governo Dilma, que ajudou a montar, peça por peça, embora nem sempre tenha saído vitorioso na escolha deste ou daquele nome. Por ser o preferido de Dilma, conta com o apoio momentâneo de quem realmente importa no PT e quer que o governo dê certo, inclusive das mesmas correntes de São Paulo que também abraçaram Rossetto.
À primeira vista, o ministério de Dilma pareceu bem defensivo, voltado para a proteção do governo no Congresso. Visto mais de perto, à medida que decantam as nomeações é possível ver sinais de que o Planalto e o PT pensam em retomar a ofensiva política, especialmente na Câmara, onde não quer ficar refém do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o candidato favorito à presidência da Casa.
Só isso é capaz de explicar a nomeação de um ministro como George Hilton, novo titular do Esporte. Hilton foi expulso do antigo PFL, em 2005, depois que a Polícia Federal o flagrou com R$ 600 mil em 11 malas de dinheiro, no aeroporto da Pampulha (BH). Não é possível aceitar que o PRB não tivesse outro nome à mão para apresentar. Hilton foi vaiado ao ser chamado para assinar o termo de posse no Palácio do Planalto, algo inédito. Sobraram vaias também para a senadora Kátia Abreu (PMDB), nova ministra da Agricultura, e para o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD). Mas essa é a conjugação que pode tirar o PT da defesa. Cunha pode vir a ser um bom teste. Se der certo!
Ninguém arma um time desses para aprovar projeto que exigem maioria simples. Pode dar certo, mas para isso o Planalto deve se livrar de antigos vícios. Que é o mais difícil.
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