- O Globo
O ministro Joaquim Levy liga a Universidade de Chicago ao PT, que sempre abjurou as ideias daquela escola. Une o FMI, no qual trabalhou sete anos, ao atual grupo no poder. Junta os governos Fernando Henrique, Lula e Dilma. O mais importante é que ele ata o que nunca pode estar desatado: o equilíbrio fiscal e o desenvolvimento econômico e social do país. Não há um sem o outro.
Foi esse o recado que ele passou ao montar o seu discurso em cima do mantra de que é preciso ajuste fiscal. "Indispensável para continuarmos no exitoso caminho de ampliar as oportunidades para nosso povo, especialmente para os mais jovens. A chave para a confiança e para o desenvolvimento do crédito que permite mais empreendedores levarem adiante seu projeto e, com isso, contribuírem para a geração de emprego, o bem-estar geral e a riqueza da nação. Fundamento do novo ciclo de crescimento."
O equilíbrio fiscal sustentou o discurso. Segundo ele, foi o ajuste das contas que garantiu o Plano Real, e foi "a responsabilidade fiscal exercida na primeira metade dos anos 2000" a condição indispensável para a inclusão de milhões de brasileiros e a política anticíclica logo após a crise global de 2008.
Ao falar do momento atual, ele usou, mais de uma vez, a palavra "reequilíbrio" das finanças públicas. Ele assume num momento em que grande parte desse fundamento foi desfeito pelas decisões dos últimos anos. Os números que herda falam por si: sem superávit primário, com despesas sendo jogadas para o segundo mandato, a dívida bruta em alta.
Ele mandou vários recados tentando ligar suas convicções às do novo governo. Não haverá benefícios fiscais para setores. "Não podemos procurar atalhos e benefícios que impliquem em redução acentuada da tributação para alguns segmentos". Isso levaria a um "baixo crescimento endêmico", segundo ele.
Levy quer ligar o realismo de preço às tarifas. "É uma prioridade o realinhamento de preços", que segundo ele será tratado com energia. Avisou que tentará manter alinhadas também as taxas de juros do BNDES, e que isso será fundamental para diminuir a dependência do banco em relação ao Tesouro. Anunciou também nova etapa do controle dos gastos através do Siafi-Gerencial.
O ministro Joaquim terá um enorme trabalho em todas as frentes, porque além de pôr ordem nas contas públicas, das quais nem se sabe se os números estão corretos, ele terá que trabalhar num governo que, em parte, o rejeita.
São toscas as críticas dos intelectuais e militantes do Partido dos Trabalhadores ao ministro da Fazenda. Eles criticam no ministério de Dilma tanto os exemplos do mais descarado fisiologismo e loteamento do poder quanto um ministro que tem formação técnica e dedicação a governos de partidos diferentes. Eles criticam tanto o ministro dos Esportes que admite nada entender do tema, quanto uma pessoa como Levy que apresenta um currículo de excelência. São capazes de esquecer o que continha na mala que o ministro George Hilton carregava, mas não esquecerão o que está registrado no currículo de Levy. Para eles, mérito é demérito.
Joaquim tentará também ligar a Federação, fazendo a reforma do ICMS que até hoje tem dividido os estados. Missão difícil em que outros fracassaram. Avisou que elevará impostos e ligou os tributos a um aumento de poupança. Pagar mais imposto ninguém quer, elevar a poupança é fundamental para que haja investimento sustentado e crescimento.
Ontem foi mais um dia horroroso no mercado financeiro, mas o novo ministro agradeceu aos pais e aos irmãos por lhe inspirarem "otimismo". Precisará desse combustível porque vai se deparar com uma situação de baixo crescimento, inflação alta, tarifas desalinhadas, dólar subindo, contínua volatilidade das ações da maior estatal do país. Se conseguir, vai provar que existe uma ligação direta entre contas públicas ajustadas e o progresso social. As duas questões sempre estiveram unidas, mas no atual governo ainda há gente que acha que equilíbrio fiscal é aquela ideia neoliberal que existe para defender o sistema financeiro internacional. A ligação entre o pensamento neandertal na economia e a visão atualizada ele não poderá fazer. Mas, pelo discurso de ontem, ele tem um lado. O mesmo ao qual sempre esteve ligado.
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