- Gazeta do Povo (PR)
Provavelmente traduzido do inglês, o bordão “mais do mesmo” frequenta os que assistem ao filme que está passando no telão da atualidade. Ou da história. Avaliação nada edificante, claramente restritiva, relutante. Como é impossível não se envolver com o infindável seriado em cartaz, não ler sobre ele, não ouvir seus sons, ignorar a fisionomia e o caráter dos protagonistas, resta torcer para que a continuação seja melhor.
Negativo: além de começar como sempre atrasada por causa do carnaval, a nova temporada está levando os críticos a se impacientar e subir de tom. No lugar de “mais do mesmo”, reclama-se, agora, do “mais, porém pior”.
O pedaço de filme a que nos cabe assistir em 2015 chegou com cara de fiasco e assim deve terminar: o triunfo nas urnas foi pífio, os vencedores dilacerados pelos aliados e, com esta superposição de rancores – que os escândalos, a crise econômica, a falta de pulso e um ministério de nulidades só tendem a agravar –, ficamos sem outra alternativa senão deletar os capítulos deste ano e pular para 2016 ou 2018.
Cada cultura e cada civilização tem um Leviatã particular. O nosso monstro não é marinho, mas subterrâneo – imensa e infinita tristeza que nossos caciques há séculos teimam em sepultar ou disfarçar. Decepções ou angústias são formas de energia que não se deve desperdiçar. Delas podem resultar prodígios, desde que assumidas. As nossas aflições são cinicamente proibidas, desterradas de convívio cotidiano. Tenta-se distraí-las com promessas de milagre, não se sustentam – o pré-sal mal começou e já ameaça ir embora. Inventam-se festas custosas, enganosas, não satisfazem – a conta do dia seguinte é exorbitante.
“Numa terra radiosa vive um povo triste”: com estas sete palavras Paulo Prado começou o seu Retrato do Brasil em 1928, mas sua extraordinária descoberta raramente é compartilhada. O ensimesmado é antissocial, não é boa praça; ao contrário, é um perturbador do sistema, agente subversivo, desagregador, que a sociedade deve rejeitar. Todo o empenho dos governantes, independentemente de suas ideologias, gira em torno da sumária eliminação dos melancólicos.
O carnaval recém-encerrado oferece um exemplo cabal do nosso horror à tristeza. O tríduo original foi expandido; o domínio do Rei Momo estendido por uma semana agora ultrapassa as Cinzas e chega à Quaresma. A folia de rua foi maximizada, mesmo que as estruturas urbanas fiquem ainda mais estressadas; o colapso hídrico está sendo varrido para debaixo do tapete; e o desfile no Sambódromo carioca – espetáculo-patrimônio nacional –, canibalizado por sucessivas camadas de malfeitores: torturadores do regime militar, contraventores, mafiosos, milicianos e ditadores bilionários. Irrelevante a origem dos recursos, vale o sucesso em convocar euforias.
Sabia-se do aporte de R$ 10 milhões da ditadura da Guiné Equatorial à tradicional escola de samba Beija-Flor para cantar a africanidade. Sabia-se, mas ninguém o questionou. E, no exato momento em que os carnavalescos de Nilópolis são eleitos como campeões, aquilo que seria o ponto de partida numa sociedade democrática – um debate sobre legitimidade dos patrocínios – é convertido em castigo, vingança dos perdedores.
O conluio entre regras frouxas, elites arrogantes e a contumaz aversão ao debate criou um território de ambiguidades onde se torna mais cômodo dissimular e apelar para a hipocrisia do que permitir o quieto rolar de lágrimas.
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Alberto Dines é jornalista.
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