- O Estado de S. Paulo
Se toda unanimidade for mesmo burra, como insistia Nelson Rodrigues, os brasileiros podem relaxar. O Brasil chegará ao fim do ano sem recessão, a inflação estará bem abaixo de 8%, a indústria terá voltado a crescer e o comércio contratará muita gente para o Natal. Basta um pouco de paciência. As boas notícias vão aparecer. Talvez nem seja necessário o desagradável programa de ajuste anunciado - com apoio, ao menos formal, da presidente - pela equipe econômica. Mas por enquanto prevalece a tal unanimidade. Todas as projeções ainda consideradas sérias - talvez erroneamente - indicam recessão no Brasil em 2015. A economia brasileira encolherá 0,5% neste ano e crescerá 1,2% em 2016, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com o banco britânico HSBC, o produto interno bruto (PIB) do País diminuirá 1,2% em 2015. Será o pior resultado em 25 anos, como lembra o informe distribuído aos clientes. O mercado financeiro nacional está na onda. A contração econômica será de 0,78%, pela mediana das projeções colhidas pelo Banco Central (BC) na pesquisa Focus de 13 de março. Os números variam, mas são todos negativos.
As estimativas convergem também para taxas de inflação muito altas, acima de 7% em 12 meses. A mesma pesquisa indicou 7,93% para 2015 e 5,6% para o próximo ano. Vários analistas têm apontado números iguais ou superiores a 8%.
A tal unanimidade pode até ser burra, mas é sustentada, no dia a dia, por dados produzidos tanto pelo governo quanto por entidades do setor privado. O IPCA-15, prévia da inflação oficial, subiu 1,24% em março, 3,5% no ano e 7,9% em 12 meses, a maior taxa para o período desde maio de 2005.
Em um trimestre o aumento dos preços ao consumidor quase bateu na meta fixada para o ano, 4,5%. Mas essa meta só tem valor nominal há muito tempo. Nunca foi atingida nos últimos cinco anos.
Durante esse tempo o governo sempre se mostrou satisfeito quando o resultado anual ficou no limite de tolerância de 6,5%. Segundo o BC, os avanços no combate à inflação têm sido insuficientes. Essa afirmação permite prever pelo menos mais um aumento da taxa básica de juros, há pouco elevada para 12,75%. Mais 0,25 ou 0,5 ponto de porcentagem? As especulações variam. Ninguém responde com segurança, até porque a eficácia da política de juros dependerá da arrumação das contas públicas.
Na área da produção também se acumulam as más notícias. Nos 12 meses até janeiro o emprego industrial diminuiu 3,4%, segundo o IBGE, acompanhando a retração do setor. Entre fevereiro de 2014 e janeiro deste ano, a produção das fábricas de máquinas e equipamentos encolheu 16,4% - um claro indicador do baixo nível de investimento produtivo. Este é um dos principais pontos de apoio das projeções de mau desempenho da economia neste ano e talvez no próximo.
O ajuste das contas públicas consumirá mais de um ano. É impossível dizer, neste momento, se o governo conseguirá executar a política inicialmente proposta pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e por seus companheiros da equipe econômica. Será preciso negociar detalhes, alguns importantes, com os congressistas. O governo havia decidido mexer na desoneração da folha de pagamentos, diminuindo o benefício concedido a 56 setores nos últimos anos. Esse vai ser um dos primeiros temas negociados com parlamentares. Empresários e sindicalistas entrarão no jogo e é muito difícil de dizer quanto o governo cederá.
Enfraquecida politicamente, a presidente Dilma Rousseff será pressionada para atenuar o programa de ajuste. Já sofre pressões de seu padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva, para afastar o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, da função de articulador político. Líderes de partidos aliados cobram maior participação nos ministérios. A presidente e os ministros econômicos terão de negociar os detalhes da arrumação fiscal no meio desse emaranhado de reivindicações e de queixas.
O ministro da Fazenda tem-se mexido para buscar acordos com os políticos e já se encontrou com os presidentes do Congresso, senador Renan Calheiros, e da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Já se dispôs a analisar a tributação de heranças - uma reivindicação de petistas para jogar sobre os ricos uma parte mais vistosa do acerto das contas públicas. É um assunto complicado, porque os Estados já taxam a herança e é preciso buscar um meio de evitar a bitributação. Mas quem, entre os batedores de bumbo, se preocupa com detalhes constitucionais?
Se, afinal, der tudo certo e o governo conseguir, em 2015, um superávit primário de R$ 66,3 bilhões, destinado ao pagamento de juros, o resultado ainda poderá, segundo alguns analistas, ser insuficiente para frear o aumento da relação entre a dívida e o PIB. Nesse caso, será necessário um aperto mais duro que o já previsto para os próximos dois anos.
Admita-se, como hipótese, a existência de exceções à lei da unanimidade burra. As projeções para a economia brasileira parecem caber nessa hipótese. Todos os cálculos apontam, por enquanto, um ano muito ruim, com ou sem ajuste, ou com diferentes graus de ajuste fiscal e de aperto monetário. Isso de certa forma simplifica as escolhas da presidente e dos políticos ainda comprometidos, de alguma forma, com a recuperação do País.
Não há escolha de Sofia nem dúvidas hamletianas. Uma das alternativas é iniciar um duro ajuste, mesmo com o custo de uma recessão, e chegar ao fim do ano com fundamentos melhores e alguma perspectiva de recuperação e de crescimento, mesmo vagaroso, a partir de 2016. A outra possibilidade é contemporizar e adotar uma política mais aguada. O ano ainda será ruim, talvez um pouco menos do que na outra opção, por alguns meses, mas todos os problemas se agravarão, o País ficará sem crédito e o conserto, como sempre inevitável, será muito mais difícil e penoso.
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Rolf Kuntz é jornalista
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