• Não é à toa que ninguém mexe na Lei da Anistia para punir os torturadores, nem que os saudosistas da ditadura venham às ruas pedir uma intervenção militar
Correio Brazliense
Foi assim que Napoleão perdeu a guerra. Em 7 de setembro de 1812, o general Mikhail Kutuzov havia estacionado seus 155 mil homens e 640 canhões na aldeia de Borodino, a menos de 150km de Moscou. Às 6h, Napoleão deu início ao ataque com seus 135 mil homens e 587 canhões. O sangue jorrou até depois do pôr-do-sol. Foram cerca de 16 horas de confronto, na maior batalha de um só dia das Guerras Napoleônicas.
Apesar de a vitória ter sido francesa, Napoleão amargou 58 mil mortos, incluindo 48 marechais. Os russos perderam quase metade de seu exército: 66 mil homens, um deles, o brilhantes general Bagration, mas não se renderam. A demora na chegada do reforço e o massacre do dia anterior fizeram Kutuzov optar por uma retirada em ordem para o leste.
Foi uma decisão difícil, narrada no romance épico Guerra e Paz por Leon Tolstói, que reproduz o diálogo entre o velho general e Alexandre I, da Rússia. Mesmo sob severas reprimendas do czar, e de boa parte de seu estado-maior, Kutuzov decidiu entregar Moscou sem oferecer combate: “A Rússia é o seu Exército”, disse. Salvá-lo era mais importante do que defender a cidade.
Napoleão entrou em Moscou e encontrou a cidade vazia. Em meio à indisciplina das tropas francesas e à falta de autoridade dos oficiais perante as suas tropas — que não conseguiam impedir o saque, a pilhagem e a deserção dos soldados —, grandes incêndios provocados por arruaceiros e sabotadores acabaram por transformar a cidade em escombros.
Enquanto Napoleão, acampado, esperava a rendição do czar, Kutuzov reforçava e reorganizava o seu exército. As tropas francesas estavam enfraquecidas e com moral baixo. As linhas de abastecimento foram cortadas. Após cinco semanas de acampamento, o imperador francês decidiu dar meia volta e iniciar o seu dramático retorno à França. O resto da história, todos sabem.
Os militares
Guerra e Paz, uma espécie de livro de cabeceira nas academias militares, assim como Os Sertões, de Euclides da Cunha, serviu de manual de manobras dos líderes da Coluna Miguel Costa-Prestes, que percorreu 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil, em dois anos e meio de revolta dos tenentes. São dois livros seminais, que marcaram a formação da oficialidade militar brasileira.
Desde a Guerra da Independência, os militares tiveram um papel decisivo na consolidação do Estado nacional brasileiro, na preservação de nossa integridade territorial e na defesa da ordem. Mas promoveram três rupturas institucionais: a Proclamação da República, a Revolução de 1930 e o golpe de 1964, no qual destituíram o presidente João Goulart e implantaram uma longa ditadura militar.
A eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, respaldada por grande mobilização popular, em 1985, foi uma grande vitória das forças democráticas, que voltaram ao poder quando o vice José Sarney assumiu a Presidência. Também foi o desfecho de uma gradual, longa e bem-sucedida retirada em ordem dos militares do poder. Seu marco inicial foi o acordo entre a oposição e o general João Figueiredo para a aprovação da chamada anistia recíproca pelo Congresso.
Não é à toa que ninguém mexe na Lei da Anistia para punir os torturadores, nem que os saudosistas da ditadura venham às ruas pedir uma intervenção militar. As Forças Armadas, principalmente o Exército, continuam sendo instituições de enorme prestígio na sociedade. Por que é bom levar isso em conta? Ora, porque o discurso do PT, partido do governo, para intimidar a oposição, acusando-a de golpista, é um grande equívoco. Nenhuma força política responsável deseja os militares de volta ao poder.
A retórica petista, porém, traz à cena política quem está quieto no seu canto, comprometido com o respeito à Constituição, ao dar exagerada importância aos grupos de extrema direita que sonham com uma nova ditadura. Qualquer solução política para a crise do governo Dilma Rousseff, com base na Constituição, mesmo que venha a ser o seu afastamento pelo Congresso — hipótese que, hoje, está fora de cogitação —, será mais democrática do que qualquer intervenção militar. Essa é uma lição da nossa História.
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