• O governo desfocou propositalmente as imagens de ‘Fora Dilma’
- O Globo – Segundo Caderno
Depois das manifestações de domingo passado, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque foi preso no Rio. A operação tem o nome “Que país é esse?”. É uma alusão à frase de Duque quando foi preso pela primeira vez: que país é esse? Mesmo sem saber ainda que país é esse, na prisão de agora houve uma certeza temporal: era o primeiro dia depois que milhões de brasileiros foram para as ruas contra a corrupção, gritando “Fora Dilma”, “Fora PT”.
A reação do governo foi patética. Desde o princípio, fonte oficial espalhou que o movimento não tinha foco, era dispersivo.
Só mais tarde, na entrevista dos dois ministros, um de barba, outro sem barba, um deles reconheceu que havia uma luta contra a corrupção. E veio com a história de que ninguém mais do que o governo do PT combateu a corrupção.
Interessante é que, na coletiva, não se perguntou: como um movimento contra a corrupção pode, ao mesmo tempo, pedir a queda de um governo que a combateu mais do que tudo?
Volto à questão do foco. Quem trabalha com imagem, pelo menos, sabe que não é uma questão de muita controvérsia. Dez pessoas diante da imagem desfocada tendem a dizer que ela está fora de foco. O governo desfocou propositalmente as imagens de “Fora Dilma”, “Fora PT”, como se os manifestantes tivessem ido à rua apenas para tratar da corrupção de forma abstrata.
Até pesquisas surgiram para afirmar que as manifestações foram, principalmente, contra a corrupção, e não contra o governo. Como se esses elementos não estivessem entrelaçados e pudessem ser servidos em compartimentos estanques.
Se levarmos mesmo a sério tudo o que dizem, passaremos todo o dia batendo panelas. Dilma apareceu na versão sandálias da humildade. O tom era o mesmo. A mesma arrogância: nossa política econômica foi correta, posso ter errado na dose, cometi um pecadinho com o financiamento estudantil. Só faltou dizer: muito apressada, esqueci de fechar a torneira do banheiro por um minuto. É muito difícil sair de uma crise quando não se leva em conta a realidade. É impossível a esquerda manter sua base com um ajuste econômico rigoroso. É impossível conquistar os adversários com ajuste econômico porque seu tema também é a corrupção.
Correndo por fora de toda a cena de reforma política, a prisão de Renato Duque joga o foco na participação do PT. O tesoureiro João Vaccari já foi indiciado. Promotores demonstraram com cruzamento de datas propinas e doações. E revelaram o mecanismo de lavagem de dinheiro através das contas de campanha.
Renato Duque e João Vaccari negam tudo, disciplinadamente protegem o partido. Mas até quando? Independente do que falem ou deixem de falar, os dados recolhidos até agora indicam que dinheiro do petrolão circulou pelas campanhas de Dilma. Tudo isso trará mais tensão à atmosfera política. O problema é que precisamos de algum tipo de ajuste econômico para não cair mais no buraco.
É um momento em que certas espertezas não podem turvar mais o quadro nebuloso. O presidente da Câmara é investigado no petrolão. O presidente do Senado também, assim como dezenas de parlamentares. Como dizer então que a corrupção está apenas no governo?
O que se pode dizer é que ela está principalmente no governo, que detém, em última análise, o controle da estatal saqueada. O PMDB percebeu o momento do PT e procura ocupar o centro da cena. É uma ilusão achar que uma simples mudança na configuração da aliança possa alterar a crise de legitimidade.
Fernando Henrique e Marina afirmam que o impeachment não é a saída. Mas sua reação revela como a crise é profunda; em termos normais, líderes apontam caminhos; no momento, limitam-se a dizer por onde não se deve ir. Apontar ou rejeitar saídas a médio prazo é quase impossível. Mas há algumas variáveis que podem definir seu curso. A primeira delas é a reação da própria Dilma à sua improvável capacidade de autocrítica e energia para recolocar o governo de pé.
A segunda variável é a do ajuste fiscal, que depende, na verdade, mais do governo do que do próprio Congresso. É quase unânime a ideia de que o ajuste fiscal é uma condição para o crescimento. Mas afirmar que basta para a retomada divide opiniões.
A terceira variável é o curso da Operação Lava-Jato. O que predomina até agora é a negação, apesar de tantas evidências apresentadas pelos promotores. No mensalão, Dilma refugiou-se na condição de presidente para escapar do assunto. Tudo o que aconteceu na Petrobras diz respeito ao seu governo, muitas das propinas podem ter irrigado suas campanhas presidenciais. Nesse caso não cabe nenhum tipo de reinvenção, exceto dizer adeus.
“Que país é esse?” na música da Legião Urbana tem um tom de crítica e desencanto. Outro país pode surgir se tudo for investigado e a sociedade obtiver mudanças imediatas. Quem sabe a energia na mudança política seja o componente que falta para um ajuste econômico necessário?
Um comentário:
O Gabeira tocou em um ponto importante: Será que estamos dispostos a fazer o sacrifício do ajuste fiscal para ajudar ESSE mesmo governo, que nos colocou nessa situação problemática??? Digamos que o ajuste é feito e dá resultados, será que a Dilma e o PT vão voltar as mesmas práticas de antes que causaram a crise (afinal ela não reconhece que errou feio no primeiro mandato)??? Se voltarem o sacrifício foi em vão. Essa é a grande dúvida dos agentes econômicos e da turma que sabe fazer contas. Essa falta de visibilidade do "day after" do ajuste fiscal é que está atrapalhando o andar do processo de ajuste e resolução da crise. Resumindo, a Dilma dilapidou a credibilidade que ela tinha e isso afeta a esperança de quem vai arcar com o sacrifício do ajuste fiscal. A conclusão logica é que a Dilma precisa sair: impeachment ou renuncia, para dar um pouco de esperança que após o ajuste recessivo não vamos re-incidir no erro.
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