quinta-feira, 23 de abril de 2015

Míriam Leitão - Punição e transparência

- O Globo

As primeiras condenações da Lava-Jato saíram no mesmo dia em que foi divulgado o balanço da Petrobras com uma baixa de R$ 50,8 bilhões. É simbólico. Sinal de um país que não quer mais a impunidade e a falta de transparência. Este tempo novo não é concedido pelo governo, é decisão das nossas instituições. A estatal ainda vai demorar a limpar o que tem de limpar.

O ex-diretor Paulo Roberto Costa, ontem condenado pelo juiz Sérgio Moro, tinha amplos poderes, trânsito livre no governo e permaneceu no cargo por nove anos. O que aconteceu, e que provocou, em corrupção, um prejuízo de R$ 6,2 bi, era conduzido de dentro da diretoria da companhia. Um ou dois diretores não poderiam, sozinhos, ditar os rumos da empresa. Houve, no mínimo, um desleixo gigantesco que permitiu tamanha perda para o país, os acionistas e os contribuintes.

Além da corrupção, a Petrobras enfrentou a má gestão, os custos inflados, e as decisões irracionais tomadas na administração. Isso custou à empresa R$ 44,6 bilhões de Impairment , traduzida como imparidade pela diretoria da Petrobras. Na prática, significa que a expectativa de retorno de alguns ativos é menor do que o que foi investido neles. Em alguns casos, é resultado de mudança das condições de mercado, mas a maior parte é o custo excessivo de projetos, como a Refinaria Abreu e Lima e o Comperj.

Há motivos, no entanto, para comemorar o dia de ontem. O ex-diretor Paulo Roberto Costa enfrentou a primeira condenação. A pena foi reduzida porque ele colaborou, mas não teve o perdão judicial devido à "gravidade dos crimes". Além disso, a divulgação do balanço auditado da Petrobras é um alívio não só para a empresa, mas para o país. Se esse balanço não fosse divulgado até o final de abril, uma montanha de dívidas que chegam a US$ 110 bilhões, pelas contas da agência Moody"s, ou cerca de 5% do PIB brasileiro, teria seu vencimento antecipado a partir de junho. Isso poderia provocar risco sistêmico sobre toda a economia. O governo seria obrigado a aportar recursos na estatal, o que fatalmente levaria o país à perder o grau de investimento.

A dívida líquida da Petrobras chegou a US$ 106 bilhões. Em reais, houve um aumento de 27% de 2013 para 2014, de R$ 221 bilhões para R$ 282 bi. A empresa lembrou que 80% da dívida estão em moeda estrangeira. No final de 2013, o dólar valia R$ 2,34. No final do ano passado, foi cotado em R$ 2,66. Ou seja, a dívida vai subir ainda mais quando for divulgado o resultado do primeiro trimestre deste ano, porque o dólar passou da casa de R$ 3,00.

O índice de alavancagem da empresa, medido pelo endividamento líquido e o patrimônio líquido dela, deu um salto de 39% para 48%. A relação da dívida líquida sobre a geração operacional de caixa, Ebitda, saltou de 3,52 para 4,77 anos. Muito acima do limite máximo recomendado pelas agências de risco, que é na casa de 3 anos. Isso significa que a companhia continuará tendo dificuldades, precisará fazer um longo trabalho para voltar a ter a confiança do mercado e melhorar seus indicadores. A Petrobras ainda enfrenta vários desafios, mesmo superado o maior risco com a divulgação do balanço.

Um desses desafios é o das disputas judiciais que a Petrobras terá que lidar nos próximos anos, de investidores que buscam na Justiça reverter o impacto da corrupção em seus ativos. Há ainda o efeito negativo de toda essa crise sobre os investimentos que estavam previstos no setor de óleo e gás.

Foram meses de turbulências que no final mostraram a robustez das instituições do país. No início, o governo negava que tivesse havido qualquer coisa errada na compra de Pasadena, só para citar um exemplo. O ex-presidente José Sérgio Gabrielli estava no mês passado em uma manifestação que se dizia "em defesa da Petrobras". O subtexto era que o ataque vinha das investigações. Ontem, a companhia admitiu que as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, às quais eles tiveram amplo acesso, mostraram fatos consistentes e que com base neles foi calculada a perda com a corrupção, que foi definida como "gastos adicionais capitalizados indevidamente". O ganho de todo esse doloroso processo é que ontem foi um dia em que o país mostrou que escolheu a punição de culpados e mais transparência.

Nenhum comentário: