- O Globo
A justificativa do jurista Luiz Edson Fachin para acumular o cargo de procurador do Estado do Paraná com o trabalho de advogar causas privadas é muito ruim. Ele mostra que entrou em uma brecha e disse ter direito adquirido a fazer algo que obviamente não deveria ocorrer. Fachin explicou em vídeo que ele fez o concurso pouco tempo antes de a Constituição paranaense vedar o trabalho duplo.
O novo indicado para o Supremo, que hoje enfrenta a sabatina no Senado, pediu votos para a presidente Dilma. E isso não tem problema algum. Está no seu direito. É a favor da reforma agrária até em terras produtivas. E isso também não é problema, porque o Supremo é um colegiado e existem leis no país.
Não é o voto — que todo cidadão tem o direito de escolher e, se for o caso, divulgar publicamente — nem mesmo suas ideias que causam desconforto. O problema é o risco de aparelhamento do STF. É isso que assusta o país. Até porque essa não é uma decisão que se possa refazer a cada quatro anos. O país carrega por anos, e governos, a consequência de cada indicação.
Veja-se o caso do ministro Celso de Mello. Ele foi indicado pelo ex-presidente José Sarney e atravessou os governos Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Aproxima-se dos 70 anos com uma coleção formidável de elogios à sua atuação. Toda pessoa que o admira já discordou de voto seu. Mas o que se sente é que o jurista Celso de Mello sustenta seu voto em conhecimento sólido das leis e da jurisprudência. Infelizmente, não se tem, em relação a alguns dos indicados mais recentes, a mesma certeza de que eles buscarão na lei, e não na carteirinha partidária, a inspiração para as decisões que tomam.
É isso que pesa sobre Fachin. Depois das demonstrações de independência dadas por ministros como Ayres Britto e Joaquim Barbosa, indicados pelo ex-presidente Lula, os critérios começaram a mudar. Por isso é natural que o país queira que os senadores tenham os cuidados necessários na sabatina e na votação. O Senado não existe para ratificar nomes. Ao longo da história dos Estados Unidos, 12 nomes foram recusados, e não entra na conta a advogada do então presidente George Bush II, Harriet Miers. Ele retirou o nome dela diante das resistências.
Há casos de ministros escolhidos que, em determinada situação, se declaram impedidos. Foi o que fez Marco Aurélio Mello no julgamento que envolveu o ex-presidente Fernando Collor, que o indicou e de quem é parente. Não tivemos o mesmo conforto com Dias Toffoli. Mesmo tendo sido advogado do PT, ele não se declarou impedido na votação do mensalão.
Fachin gravou vídeo, no último fim de semana, para a sua campanha em mídia social em que fez sua defesa no caso do duplo trabalho no Paraná. Recorreu aos termos do edital do concurso que fez para justificar não cumprir a Constituição do Estado. O edital do concurso foi anterior à Constituição, mas ele assumiu após estar em vigor a proibição de que um procurador do Estado também atue na banca privada. Parece cristalino que um edital não se sobrepõe à lei maior do Estado e que essa acumulação é inconveniente. Fachin acha que tem direito adquirido de acumular as tarefas em tudo contraditórias.
O único problema da declaração de voto de Fachin em Dilma é que no conteúdo do manifesto ele mostrou ter certa dissonância cognitiva. Segundo disse: “o governo que queremos é o governo que preservou as instituições democráticas e jamais transigiu com o autoritarismo (...) Nestes últimos anos a liberdade de expressão fluiu no país, não houve um ato do governo que limitou esse direito.” O que ele tentou dizer? Que nos governos anteriores, como o de Fernando Henrique Cardoso, para citar um, não houve liberdade de expressão, respeito às instituições democráticas e intransigência com o autoritarismo?
O jurista elogia o governo petista por não ter escolhido para a Procuradoria da República alguém do seu “convívio e conveniência”. Seria bom se o governo seguisse essa mesma regra ao indicar os ministros do STF, porque eles permanecerão no cargo por muitos governos.
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