- O Estado de S. Paulo
O segundo mandato do governo Dilma Rousseff não deve trazer inovações significativas na política externa brasileira. Os primeiros quatro meses mostram continuidade em todas as frentes e a política exterior permanece com a mesma baixa prioridade dos últimos quatro anos. Tornando-se partidária, a política externa do PT quebrou o consenso interno porque, em muitos casos, deixou de lado a defesa de princípios permanentes e do interesse nacional e apresentou minguados resultados.
No concerto das nações, o Brasil retraiu-se, reduzindo sua contribuição nas discussões dos temas globais. Demos as costas para importantes nações democráticas e abraçamos regimes de clara inclinação totalitária, em flagrante contraste com as melhores tradições da nossa diplomacia.
Na região, tanto na integração regional quanto nas relações bilaterais, peças centrais da política externa brasileira na retórica do governo nos últimos 12 anos, o Brasil assumiu uma agenda que não é a nossa e a ação do Itamaraty tornou-se passiva e reativa. Por isso, o Brasil ficou a reboque dos acontecimentos: prevaleceram as afinidades ideológicas e a paciência estratégica, que prejudicaram o processo de integração regional e paralisaram o Mercosul.
A partidarização da política externa tem consequências diretas na política de comércio exterior: acentuou o isolamento do Brasil e do Mercosul nas negociações comerciais; manteve o País fora das cadeias produtivas de alto valor agregado e empobreceu a nossa pauta de comércio.
A exemplo do que ocorreu no início do primeiro mandato do presidente Lula, a prioridade absoluta do segundo mandato da presidente Dilma será a economia, abalada pelos desmandos que provocaram um total descontrole das contas públicas e pela corrupção, que afetou a credibilidade do governo. A busca da estabilidade econômica para permitir a volta do crescimento, a redução da inflação e a retomada dos investimentos terá prioridade sobre as iniciativas de política externa.
O Itamaraty enfrenta três grandes desafios: os problemas internos de gestão, agravados pela drástica redução dos recursos orçamentários em 2015; o desprestígio da instituição, resultado do desprezo da presidente pela política externa; e o desaparecimento da voz do Brasil no cenário internacional.
Esse é o pano de fundo da ação externa brasileira em 2015. Mas todos esperamos que o governo atual possa adotar políticas pragmáticas que permitam ajustes positivos na ação externa brasileira. Caso o quadro atual se mantenha, apesar dos esforços do Itamaraty, o mundo continua e não vai esperar pelo Brasil.
A carregada agenda de 2015 encontrará o Brasil na defensiva e com pouca capacidade de iniciativa. Apenas para mencionar alguns dos acontecimentos mais importantes em que o governo brasileiro deveria ter participação significativa na defesa do interesse nacional, cabe lembrar:
l A presidência do Brasil no Mercosul no primeiro semestre de 2015. O setor privado espera ações concretas do governo em Brasília para que o Mercosul não continue a representar um peso para o setor externo brasileiro, não só pelas medidas protecionistas de nosso principal parceiro, a Argentina, mas, sobretudo, pelo isolamento do grupo das principais negociações comerciais que proliferam no cenário internacional. O Brasil tem de retomar a iniciativa e mudar o Mercosul.
l A eventual visita de Estado da presidente Dilma aos EUA. Depois de dois anos de estagnação em nível oficial, em decorrência dos problemas causados pela divulgação da espionagem promovida pela NSA, anuncia-se a visita presidencial a Washington em 30 de junho. Espera-se que o relacionamento bilateral possa retomar a normalidade e importantes acordos, como o de salvaguardas tecnológicas, que esperam uma decisão politico-diplomática, avancem.
l A negociação do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Arrastando-se nos últimos 12 anos, espera-se que o governo brasileiro lidere essas negociações para retirar o Brasil do isolamento em que se encontra no tocante à abertura de mercados por meio de acordos de preferência tarifária. Nesse contexto, deveria ser definida nova estratégia de negociações comerciais bilaterais, regionais e globais, na qual a prioridade seria a abertura de novos mercados e a integração do Brasil às cadeias produtivas globais, que representam hoje 56% do comércio global e 72% dos serviços. No encontro entre a Celac, que congrega todos os países latino-americanos, e a União Europeia, em junho, o Brasil poderia propor concretamente uma data para o início das negociações.
l A negociação da renovação do Protocolo de Kyoto sobre meio ambiente e mudança de clima no final de 2015. O Brasil deveria assumir a liderança dessas negociações. A mudança do clima não é mais uma ameaça distante, mas um elemento que está afetando a quase totalidade dos países, como está acontecendo por aqui.
l A investigação na Organização Mundial do Comércio (OMC), a pedido dos países desenvolvidos, contra a política industrial brasileira por alegadas violações das regras internacionais, em razão da política de incentivos fiscais nos setores automotivo e eletroeletrônico. Será necessário estreito e constante entrosamento com o setor privado para a preparação das respostas brasileiras.
Quanto à agenda com nossos vizinhos – o principal problema da política externa –, esperam-se avanços nas negociações para aprofundar os acordos comerciais com a Colômbia e o Peru e na negociação de acordos de garantia de investimentos. Além de revisão nas anunciadas doações de uma termoelétrica de R$ 30 milhões e a construção de uma hidrelétrica binacional de R$ 15 bilhões, com a Bolívia, o Brasil deveria assumir uma posição clara em relação aos arranhões à democracia na Venezuela.
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*Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
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