• Dilma exerceu o poder no primeiro mandato como se fosse uma matriarca, mas agora exerce uma autoridade racional-legal. Nesse aspecto, a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade ressurge como questão central
- Correio Braziliense
Toda a tensão registrada no congresso do PT encerrado ontem, habilmente contornada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gira em torno da permanência da legenda no poder e não em razão da crise ética que se instalou no país, cujo epicentro são as investigações da Operação Lava-Jato, que investiga o escândalo da Petrobras e ameaça levar de roldão o partido e seu principal líder. Nenhuma autocrítica profunda foi feita em relação aos fatos que puseram a legenda à beira do precipício. A estratégia adotada pelo petista foi salvar seu carisma, fonte de sua liderança, e deixar à própria sorte a presidente Dilma Rousseff, que exerce uma liderança de perfil burocrático, castilhista e sofre dramática rejeição desde que assumiu o segundo mandato.
O pensador alemão Max Weber definia, grosso modo, três formas de exercício do poder. O primeiro deles é o carismático, que é exercido pelo “profeta”, pelo “senhor da guerra”, pelo “demagogo” ou “pelo governante plebiscitário”, papéis nos quais Lula se encaixa perfeitamente, dependendo das circunstâncias. Não é o caso da presidente Dilma Rousseff, cujo perfil fica perdido entre o poder “tradicional”, patriarcal, no qual os dominados são totalmente dependentes do senhor e ganham seus cargos seja por privilégios ou concessões feitas por ele; e o poder “racional-legal”, que se baseia na existência de um estatuto, um processo legal, no qual o cidadão obedece à regra e não à autoridade.
Essas fronteiras são mais complexas do que a narrativa petista. Por exemplo, numa ordem democrática, há quem viva “para” a política e aqueles que vivem “da” política, isto é, a veem como meio de enriquecimento. Quem vive por uma causa, porém, segundo Weber, também viveria dela, pois transforma sua ação num fim e, simultaneamente, no meio de vida. Fica muito difícil distinguir aqueles que veem a política como um “bem comum” e os que a praticam como “negócio”, para usar a tradução do jurista italiano Norberto Bobbio. O drama dos militantes e eleitores petistas é que já não conseguem distinguir entre seus dirigentes e representantes quem é quem nessa situação, embora o partido tenha sido construído sob a égide do “bem comum”.
Mas voltemos ao ex-presidente Lula e à presidente Dilma. Enquanto o primeiro se movimenta com foco no próprio carisma, com objetivo de se manter como alternativa de poder em 2018, a segunda se vê diante da tarefa de administrar o fracasso político-administrativo e a crise ética do PT. Dilma exerceu o poder no primeiro mandato como se fosse uma matriarca, mas agora exerce uma autoridade racional-legal. Nesse aspecto, a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade ressurge como questão central.
Toda ação política pode se orientar por uma ou outra, mas isso “não quer dizer que a ética da convicção equivalha à ausência de responsabilidade e a ética da responsabilidade, à ausência de convicção”, dizia Weber. A ética da convicção justifica as ações, porém, quando os fins se mostram catastróficos, na política, a responsabilidade não pode ser terceirizada, atribuída à vontade divina, à incompreensão humana, à decadência do mundo... Já não basta pôr a culpa no outro para manter a chama da convicção. Essa é a lógica, porém, que orientou o PT no seu congresso.
No Estado democrático, a ética da responsabilidade se sobrepõe à vontade política. É ela que garante a legitimidade das ações. Esse é o drama da legenda, que não aceitou esse limite em vários momentos, da crise do “mensalão” às “pedaladas fiscais”. A fuga pra frente de Lula, ao se movimentar como candidato a presidente em 2018, não resolve o problema de Dilma. Haja vista, por exemplo, o julgamento das contas do ano passado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que deve ocorrer esta semana. O governo subestimou suas dívidas em R$ 256 bilhões, além de cometer 16 distorções legais. Dilma amarga alta impopularidade, não pode se dar ao luxo de governar pela ética das convicções. Sua sobrevivência depende da ética da responsabilidade no exercício do cargo.
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