domingo, 14 de junho de 2015

Miriam Leitão - Tergiversar em alemão

- O Globo

A presidente Dilma Rousseff disse a Deutsche Welle coisas de impressionar. Falou que chegar a um acordo entre Mercosul e União Europeia “depende das duas partes”. De quem mais, não é mesmo? E tergiversou sobre a Venezuela. A fala do ex-presidente Óscar Arias sobre o tema foi límpida. Segundo Arias, a Venezuela não é mais uma democracia e é inexplicável o silêncio dos países da região.

O ganhador do Nobel da Paz foi simples, direto, convincente. Explicou que o que se trata é de um país em que as eleições foram usadas para enfraquecer as instituições democráticas. É mesmo inexplicável o silêncio do Brasil ao que acontece por lá. A Deutsche Welle deu uma oportunidade para a presidente Dilma se explicar e perguntou o seguinte: “O mundo observa com preocupação a situação da Venezuela, o governo alemão e a Comissão de Direitos Humanos da ONU já se manifestaram preocupados. Como a senhora avalia a situação do país vizinho?” Era hora de, afinal, deixar claro de que lado está a diplomacia brasileira depois de tão longo silêncio e tantas oportunidades perdidas. A presidente deu uma resposta estranha. Começou defendendo a democracia, lembrando que tivemos ditaduras na região e, quando respondeu a questão, disse:

— Nós estruturamos toda uma política de apoio e de colocação de determinados marcos na relação com a Venezuela, no sentido de que a oposição e a situação, o governo e a oposição, respeitem os marcos institucionais democráticos legais da Venezuela — disse Dilma.

A oposição tem líderes encarcerados sem acusações convincentes. Eles não puderam ser visitados pelo ex-presidente espanhol Felipe González. Não há acusação clara contra eles. Não foi feito o devido processo legal. E não é, portanto, a oposição que ameaça os “marcos institucionais, democráticos, legais” da Venezuela. Ela tem tentado, dentro do confinado espaço institucional que o chavismo impôs ao país, fazer o seu papel. Não há como tratar os dois lados como se fossem igualmente ameaças à democracia. Um lado prendeu, o outro está preso, e a presidente Dilma sabe muito bem o que isso significa.

A rádio Deutsche Welle insistiu no tema, porque a resposta era insuficiente. Argumentou que a presidente é criticada por não ter uma posição mais firme sobre a perseguição à oposição na Venezuela. Dilma tergiversou. “Muita gente gostaria que virássemos as costas para a Venezuela, como muito tempo foi feito com Cuba.” Comparação indevida. A Venezuela faz parte do Mercosul, que tem como uma das suas cláusulas fundadoras o compromisso com a democracia, portanto, o silêncio sobre o que acontece lá é, como disse o vencedor do prêmio Nobel, “inexplicável”. A presidente continuou respondendo sobre Cuba, a respeito da qual não havia sido perguntada. Falou do apoio do Brasil ao país, do financiamento do Porto de Mariel, da reaproximação entre Havana e Washington. Quando, afinal, voltou à Venezuela afirmou: “Nós não somos golpistas. Nós não somos também de interferências e intervenções em países irmãos”.

Essa frase transforma o Paraguai em primo. Irmão é que não é, porque lá houve interferência. O país ouviu críticas fortes e foi suspenso temporariamente do Mercosul quando o ex-presidente Fernando Lugo sofreu impeachment num processo sumário, apesar de estar previsto pela Constituição do país. Naquele caso, valeu a cláusula democrática do bloco, e o Brasil “virou as costas” para o Paraguai por vários meses. Agora, o mesmo governo acha interferência indevida exigir respeito às liberdades individuais de líderes oposicionistas e à liberdade de imprensa na Venezuela.

A empresa de radiodifusão alemã não se deu por satisfeita e nem deveria, já que a presidente não respondera a questão. Disse que todos esperam que o Brasil, pelo seu poder na região, se posicione de forma mais contundente sobre a repressão. “Eles vão esperar para sempre, não vai ter uma forma mais firme de posicionamento?”

Dilma então respondeu que o Brasil jamais será uma potência “de porrete na mão” e que não seria um “interventor”. Ninguém falara em intervenção, no sentido de uso da força, nem em porrete. O que se quer da presidente é uma condenação à violação flagrante dos princípios democráticos na Venezuela. O silêncio é inexplicável.

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