• Flexibilização do fator previdenciário, cobrança da CPMF e fim da reeleição são exemplos
Humberto Siqueira - O Tempo (MG)
A mudança de posição do PSDB em votações recentes, em temas pelos quais já dedicou enorme esforço para defender e aprovar, reacendeu o debate sobre a incoerência do partido e, por tabela, também do PT. O empenho dos tucanos em derrotar o governo tem se demonstrado automático, independentemente da matéria a ser votada – algo parecido com o que o PT fazia no tempo em que era criticado pela oposição raivosa ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O exemplo mais recente foi a votação da Medida Provisória (MP) 664 que, entre outras alterações, acabou por flexibilizar o fator previdenciário. Criadas em 1999 durante o governo tucano, as regras enfrentaram grande resistência do PT à época, que tachou a mudança como a “maior maldade” realizada por FHC. Onze anos depois, o então presidente Lula se viu obrigado a vetar o fim do fator previdenciário, incluído em uma medida provisória de reajuste do salário mínimo. A cobrança da CPMF e o fim da reeleição são outras duas questões em que também se percebeu mudança de postura.
Os tucanos justificam que o mecanismo deveria ser temporário. “O fator nasceu para auxiliar o equilíbrio da previdência num momento de transição. Ocorre que o PT foi incapaz de promover reformas desde que chegou ao poder”, justifica o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). O deputado tucano João Gomes (GO) admite a intenção de desgastar o governo. “É óbvio que há o componente político de colocar o governo Dilma em saia-justa”.
Na avaliação do ex-ministro e senador Delcídio Amaral (PT-MS), as votações das MPs foram cheias de contradições. “Ser governo tem ônus e bônus. Esse é o momento de pagarmos os ônus”.
A vice-líder da bancada do PT na Câmara, Margarida Salomão (MG), admite que a conjuntura muda e que ser governo exige mais responsabilidade. “O PSDB criou a CPMF para socorrer a saúde e depois votou para acabar com ela apenas para criar uma saia-justa para o governo. Em relação ao fator previdenciário, o PT sempre deixou claro que pretendia rever a fórmula em parceria com sindicatos. Hoje, colocam-se em xeque a Previdência e a aposentadoria de milhares de cidadãos para afetar o PT ou a presidente”, critica.
O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), candidato a vice-presidente na chapa de Aécio, saiu em defesa de seu partido. “Primeiro o PT tem que fazer uma autocrítica. Depois, tem que enquadrar o Lula e os movimentos sociais, que são as correias de transmissão contra o pacote de Dilma”.
Contradição aumenta quando se é ‘situação’
• O doutor em ciência política pela USP Renato Francisquini concorda que a incoerência é generalizada
Para o cientista político Gaudêncio Torquato, o momento sugere que os partidos não têm coerência. “Cada um defende interesses próprios visando à disputa pelo poder”, lamenta. “PSDB, PT e PMDB deveriam olhar pelo interesse nacional e buscar acordos suprapartidários. Estamos enfrentando uma crise moral, política, gerencial, hídrica, energética. Não precisamos de partidos e políticos fazendo o jogo do quanto pior, melhor”, acrescenta ele.
O doutor em ciência política pela USP Renato Francisquini concorda que a incoerência é generalizada. “FHC incrementou a carga tributária com a CPMF, embora tenha apertado o cinto na Previdência ao criar o fator previdenciário”, diz ele. “E o mesmo vale para o PT, que, em tese, não se oporia a uma carga tributária mais alta para financiar a saúde pública, mas votou contra a CPMF quando era oposição, ao passo que, sendo favorável a benefícios mais robustos para os aposentados, seguiu essa orientação e votou contra o fator previdenciário naquele momento”, compara.
Paradoxo também dentro das legendas
• Marcus Pestana pediu nova atitude para os parlamentares que votaram a favor da medida provisória
A contradição também se revela dentro de temas semelhantes. O PSDB votou em bloco a favor da terceirização, muito combatida por diversos sindicatos trabalhistas. Dos 46 deputados presentes, 44 votaram a favor. A repercussão foi negativa, e o partido até ensaiou uma mudança de postura. Mas ficou no ensaio. A estratégia para se desviar do desgaste político junto aos trabalhadores foi articular para derrubar as revisões nas concessões de seguro-desemprego e abono salarial propostas pelo governo como parte de um ajuste fiscal.
Em nota em seu site, o PSDB destacou seu esforço em derrubar a MP 665 e publicou o depoimento dos parlamentares mineiros Rodrigo de Castro e Marcus Pestana. “No momento em que todas as taxas indicam o aumento do desemprego, não é possível que vamos piorar ainda mais a vida dessas pessoas”, disse Castro.
Marcus Pestana pediu nova atitude para os parlamentares que votaram a favor da medida provisória. “Esse não é o ajuste que faríamos se estivéssemos no poder. A presidente Dilma está enfrentando efeito bumerangue e recebendo sua própria herança maldita”, disse. Para Arthur Virgílio (PSDB-AM), o brasileiro não pode sofrer mais danos. “É temeroso aprovar um projeto que retira garantias históricas do trabalhador”.
O senador Humberto Costa (PT-PE) rebateu severamente os tucanos. “O PSDB está contra os trabalhadores. A orientação partiu exatamente do presidente Aécio Neves. O partido diz uma coisa em público e se articula com o que há de mais conservador para enterrar conquistas trabalhistas”, acusou.
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