• Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras... A Operação Lava-Jato mostra que as estatais e órgãos públicos seguiram à risca o enunciado de 2003 do governo Lula
Daniel Pereira e Hugo Marques – Veja
Lula e José Dirceu têm em comum o receio real ser presos pela Operação Lava-Jato. Esse sentimento compartilhado por eles é justamente o que os separa. O ex-presidente não perde uma oportunidade de lembrar que Renato Duque, o ex-diretor de Serviços da Petrobras preso sob a acusação de recolher propinas para o PT, era homem da confiança de Dirceu. Especializado na arte de transferir responsabilidades e, principalmente, irresponsabilidades, Lula está deixando seu antigo braço-direito fortemente contrariado. Dirceu já avisou que não levará mais uma bala endereçada ao ex-presidente. Caso seja preso novamente, será quase inevitável que ele fale e una os elos que faltam para o desenho completo do modelo de governabilidade da era Lula, baseado na compra de apoio parlamentar. No mensalão, Dirceu carregou quase sozinho culpas que lhe teriam sido bem mais leves se divididas com o ex-presidente.
Depois da vitória de Lula em 2002, Dirceu defendeu a tese de que o governo garantiria a maioria no Legislativo unindo petistas, peemedebistas e até setores do PSDB. As conversas nesse sentido andavam bem quando foram desautorizadas pelo presidente eleito. Lula optou por fechar alianças no varejo. Foi a festa para PTB, PR e PP. Foi também o começo do escândalo do mensalão. Dirceu se sente injustiçado quando Lula e o PT dão vazão à versão de que foi dele a ideia de comprar apoio entre partidos mais sensíveis ao vil metal. É inegável que Dirceu foi o operador do esquema que resultou no escândalo. Mas quem seria o pai da ideia? Essa é uma pergunta ainda em aberto. Aliás, também está em branco o lugar destinado ao pai na certidão de nascimento do petrolão. Talvez não por muito tempo.
Em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, o deputado Miro Teixeira (Pros-RJ) disse que Lula "caiu em tentação" ao montar sua base aliada. O parlamentar não é oposicionista, golpista nem conspirador. Pelo contrário, fala com a autoridade de quem foi ministro de Lula e participou de uma reunião, em janeiro de 2003, em que foram tratadas a formação e a composição da base aliada. "Havia quem dissesse que a maioria poderia ser em torno de projetos. E havia quem dissesse que aquele Congresso burguês poderia ter uma maioria organizada por orçamentos. Essa tendência dos que quiseram organizar pelo orçamento foi vitoriosa", revelou Miro, resumindo o pecado original do PT. Desde 2003, o partido usa ministérios, estatais e o orçamento mastodôntico da União para comprar parlamentares e financiar seu projeto de poder.
O mensalão foi bancado em parte com recursos desviados do Banco do Brasil. A descoberta do escândalo, em 2005, não inibiu o funcionamento de outros esquemas de corrupção. Segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, ex-diretores da Petrobras receberam propinas de empreiteiras desde 2004, quando assumiram o cargo sob as bênçãos do PT e do PP.
O petrolão permitiu, por baixo, o desvio de 19 bilhões de reais dos cofres da Petrobras e funcionou até o ano passado. Os delatores estão contando em detalhes como empresas que se locupletaram desse dinheiro financiaram campanhas presidenciais de Lula e Dilma Rousseff.
"A corrupção no Brasil é endêmica e está em processo de metástase", afirmou o procurador Athayde Ribeiro Costa, integrante da força-tarefa da Lava-Jato. Na semana passada, a polícia prendeu o vice-almirante da reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente licenciado da Eletronuclear, acusado de receber 4,5 milhões de reais em propina de cinco empresas envolvidas na construção da usina de Angra 3. Depois do mensalão e do petrolão, foi puxado agora o fio da meada do que já se batizou de eletrolão. O empresário Ricardo Pessoa havia dado uma pista da alta voltagem desse esquema ao revelar às autoridades em sua delação o envolvimento no eletrolão de Valter Cardeal, diretor da Eletrobras e "o homem da Dilma" no setor elétrico. A área de atuação de Cardeal era a obra de construção da usina nuclear de Angra 3.
O mensalão foi substituído pelo petrolão, que funcionou em paralelo ao eletrolão. A diferença entre eles é apenas a cor do cofre. O esquema era o mesmo. O PT e os partidos aliados nomeavam diretores para as empresas de cada setor e cabia a eles entender-se com as empreiteiras para armar o bote sobre o dinheiro público. Quando se dignou a falar de denúncia de corrupção, Lula prestou solidariedade aos envolvidos e minimizou o impacto das revelações assombrosas que surgiam. "Sai na urina", disse Lula. Eleita presidente, Dilma começou demitindo ministros e altos funcionários flagrados em "malfeitos". Foi a fase da "limpeza ética". Durou pouco. Devagarinho, os acusados de corrupção foram retomando seu posto no governo.
Fora da Operação Lava-Jato, corre em segredo de Justiça um processo com 54 réus, entre eles representantes de dezenove empreiteiras, que respondem pelo superfaturamento de mais de 1 bilhão de reais em obras em aeroportos. Entre os réus figuram executivos de empresas investigadas no petrolão e no eletrolão, que distribuíram propinas a funcionários da Infraero. Pelos valores e pela ousadia das investidas sobre o Erário, fica evidente que os hoje réus jamais cogitaram uma punição.
A impunidade parece estar ficando para trás na triste história brasileira. As investigações e punições dos envolvidos no petrolão demonstram que, como manda a Constituição, os procuradores, os policiais federais e a Justiça estão cumprindo seu papel sem distinção. Todos são iguais perante a lei. As prisões de Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro (veja a reportagem) seriam inimagináveis poucos meses atrás. Lula e Dilma conversaram recentemente em Brasília sobre esses desdobramentos. É quase inacreditável, mas a saída vislumbrada por criador e criatura será a compra de apoio no Congresso — justamente a prática que, abusada, envenenou a política brasileira nos últimos anos. O governo Dilma vai liberar 5 bilhões de reais em emendas e distribuir centenas de cargos até o fim do ano.
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