- Valor Econômico
A estratégia atabalhoada da última semana do Palácio do Planalto teve o condão de recolocar o impeachment em pauta mais rápido do que um opositor otimista poderia esperar. Não bastasse, a despeito da sempre presente ponderação de que uma abdicação não combina com o perfil da presidente Dilma Rousseff, a palavra "renúncia" também voltou a ser lembrada por oposicionistas, líderes de partidos independentes e até mesmo integrantes de siglas governistas.
Nessa conjuntura adversa, um dos principais desafios de Dilma é evitar que o setor produtivo veja a sua saída do poder como a única solução para melhorar o humor da população e recuperar a confiança dos investidores. O problema da presidente da República, no entanto, é que interessa a grande parte do Congresso ver a chefe do Poder Executivo enfraquecida - sobretudo àquelas alas sempre dispostas a negociar com o governo e com as quais ela passou a tratar sem anteparos a fim de assegurar maior estabilidade política à sua administração.
Esse cenário ficou claro com o desfecho da semana passada. O roteiro ideal estava desenhado pelo Palácio do Planalto: a presidente chegaria à sexta-feira demonstrando tenacidade política para rechaçar qualquer tentativa de impeachment e manter as medidas de ajuste fiscal consideradas necessárias para a retomada do crescimento econômico. Nos planos do governo, a reforma ministerial reajustaria a relação entre Dilma e as diversas alas do PMDB. Seria construída uma trincheira na Câmara contra o impeachment. A manutenção dos vetos presidenciais a propostas de criação de novas despesas comprovaria a capacidade do governo de reorganizar a economia do país. E uma decisão favorável na Justiça ainda protelaria a decisão do TCU, reduzindo a pressão sobre Dilma, mesmo que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), destravasse nesta semana as engrenagens burocráticas que podem levar adiante um processo de impeachment.
De fato, a reforma ministerial reajustou o valor despendido pelo Executivo para contar com o apoio do PMDB, que ganhou o comando de sete pastas. Por outro lado, não garantiu uma maior coesão da bancada da legenda e ainda gerou ressentimentos em outros partidos aliados, o que provocou por duas vezes o adiamento da sessão do Congresso em que os vetos presidenciais seriam apreciados.
A ação protelatória da Advocacia-Geral da União foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal e uniu os ministros do TCU em torno da aprovação do parecer que recomenda ao Congresso a rejeição das contas do governo Dilma referentes ao ano de 2014. Não bastasse, a Justiça Eleitoral decidiu investigar se o dinheiro desviado de empresas estatais tonificou a campanha eleitoral do PT no ano passado. A presidente então adiou uma viagem de Estado à Colômbia e convocou uma reunião ministerial de última hora para tentar recolocar o governo no prumo.
Embora tenha afirmado que vislumbra uma luz no fim do túnel, Dilma começa esta semana numa situação mais delicada do que iniciou a anterior. Nesse contexto, correligionários da petista resgatam o ocorrido com o primeiro presidente da República. O marechal Deodoro da Fonseca elegeu-se para dirigir um país dividido e conviveu com uma série de intrigas no primeiro escalão de seu gabinete. Sofreu resistências no Congresso, sua política econômica do "encilhamento" foi duramente criticada, a qual, segundo historiadores, provocou especulação financeira e o fechamento de várias empresas.
O desfecho é conhecido. O então presidente renunciou ao cargo, morreu isolado e sem honras militares.
Outra passagem da História do Brasil, esta protagonizada pelo ex-presidente Jânio Quadros, é lembrada por alguns adversários de Dilma. Eles apostam no aumento da fragilidade da base aliada e no retorno das massas populares que foram às ruas há alguns anos devido à insatisfação com a baixa qualidade na prestação dos serviços públicos. Mesmo que prospere aos poucos a agenda do impeachment, acreditam, antes o país deve viver uma nova onda de convulsão social, situação que encurralaria Dilma. Segundo recente pesquisa divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, o índice de satisfação com a vida do brasileiro caiu 9,5% em setembro na comparação com o mesmo mês do ano passado, às vésperas da eleição presidencial. No mesmo período, o índice de medo do desemprego apurado pela sondagem cresceu 37,5%.
Anos depois da renúncia do marechal Deodoro da Fonseca, Jânio Quadros também abjurou à Presidência da República. Jânio chegou ao posto revestido de um messianismo moralizador, sucedendo um governo que promovera grandes transformações econômicas e sociais. Sem apoio no Congresso, decidiu renunciar ao cargo, num movimento que, em sua visão, poderia lhe propiciar um retorno ao Palácio do Planalto com um maior vigor político. Na conjuntura atual, porém, Dilma seria levada a renunciar não para fortalecer a si própria no poder, mas para favorecer outro integrante de seu grupo político - o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo relatos de assessores próximos, Jânio Quadros teria demonstrado que não abandonaria sua disposição de deixar o Palácio do Planalto afirmando: "A conspiração está em marcha, mas vergar eu não vergo". Curiosamente, no dia 12 de agosto Dilma citou uma música de Lenine durante a Marcha das Margaridas, ato organizado pelos movimentos sociais do campo, para assegurar que governará até o último dia de seu mandato. "Eu, cantando numa festa, ergo meu copo e celebro os bons momentos da vida. E nos maus da lida, eu envergo, mas não quebro", disse a presidente. "Margaridas, nós podemos envergar, mas nós não quebramos. Nós seguimos em frente."
Alheia às comparações, Dilma reafirmou, durante a posse de seu novo ministério, que a missão de todos era tocar o governo até 31 de dezembro de 2018.
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