- Folha de S. Paulo
O corpo frágil, sustentado em pernas finas como gravetos, lhe dava um certo ar de santo. Ao mesmo tempo em que perdia a luta contra a Aids, ele liderava uma admirável campanha contra a fome que mobilizou o país nos anos 90.
O sociólogo Herbert de Souza é tema de "Betinho - A esperança equilibrista", recém-lançado nos cinemas. Num tempo marcado pelo pessimismo, o documentário lembra como o Brasil já foi pior. Em 1993, o país tinha 32 milhões de habitantes na miséria, segundo o Ipea.
O filme também mostra que o Brasil pode ser melhor. Cerca de três milhões de voluntários se organizaram nos comitês da Ação pela Cidadania, sem cobrar nada em troca. A causa atraiu artistas que hoje só se unem para censurar livros biográficos.
Betinho era um sobrevivente. Driblou a tuberculose na infância, a hemofilia e a perseguição dos militares após o golpe de 1964. Ficou conhecido na campanha pela anistia, que acompanhou à distância. Ele era o "irmão do Henfil" da música "O bêbado e o equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc, que virou hino da luta pelo retorno dos exilados.
De volta ao país, engajou-se em sucessivos movimentos: pela ética na política, pelo tratamento dos portadores de HIV e contra a fome. Insistia que a sociedade não deve esperar que o governo aja, mas tem o dever de pressioná-lo a se mexer.
A imagem de unanimidade nacional sofreu um baque em 1994, com a revelação de que Betinho aceitou doação de bicheiros para uma ONG de apoio a vítimas de Aids. Ele pediu desculpas e disse que não devia ser tratado como santo. "As pessoas acham que não cometo erros", desabafou, em entrevista reproduzida no filme. À luz dos escândalos de hoje, a penitência parece um exagero.
O fundador da campanha contra a miséria morreu em 1997. Não viveu para ver o Brasil deixar o vergonhoso Mapa da Fome da ONU, o que só aconteceria no fim do ano passado. Nesta terça, Betinho faria 80 anos.
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