terça-feira, 3 de novembro de 2015

Luiz Carlos Azedo - O impasse da hora

• O sistema político está bloqueado. Mas, se quiser, o PMDB tem força no Congresso para promover uma ruptura no sistema de forças que domina a vida política nacional, com ou sem Dilma

- Correio Braziliense

Cada dia que passa a democracia brasileira dá sinais de que está sendo bloqueada pela contradição entre um sistema de poder carcomido pela corrupção e a incompetência e a necessidade de reformas estruturais para superar a crise na qual o país mergulhou.

De um lado, estão as forças políticas que controlam o governo Dilma e o Congresso; de outro, a maioria da população e os agentes econômicos que sofrem as consequências desse impasse, que lançou o país numa recessão de 3% do PIB neste ano. E, agora, em consequência, deixa milhões de trabalhadores desempregados, quebra milhares de empresas, liquida pequenos e médios empreendimentos, sucateia a indústria nacional.

Todos os diagnósticos sobre a situação da economia convergem para a tese de que o Estado brasileiro é anacrônico, grande e perdulário. À conclusão de que o fisiologismo e o patrimonialismo dos políticos se tornou insuportável. É que a sociedade já não consegue sustentar um governo capaz de provocar, num só ano, como neste, um deficit fiscal que pode chegar aos R$ 110 bilhões. Paga-se muitos impostos, e pouco se tem em troca.

Nada impede que a situação, que já parece o fundo do poço, possa piorar. Em circunstâncias normais, porém, provocaria uma mudança de rumos no governo, como a sociedade demanda. Mas acontece que a presidente Dilma Rousseff não é capaz de fazê-la, por vários motivos. Dois, porém, se destacam. O primeiro é de ordem objetiva: ela é prisioneira do sistema de forças que a levou ao poder; o segundo, subjetivo: suas concepções voluntaristas, que nos trouxeram a esse estado de coisas, não mudaram.

Mas há que se indagar: por que as forças políticas no Congresso não são capazes de promover uma ruptura com tudo isso? A resposta implica retomar o começo dessa prosa: a democracia brasileira está bloqueada pelos grandes partidos. Todas as tentativas de mudanças feitas no Congresso, sob pressão da opinião pública, para arejar o sistema político fracassaram. Esses partidos temem o surgimento de uma alternativa de poder à margem deles, embora esteja evidente, pelas manifestações da sociedade, que isso só contribui para que algo surja fora do âmbito partidário.

Duas décadas demonstram que a polarização PT versus PSDB pode interessar às lideranças de ambos, mas não já é capaz de oferecer uma saída para o impasse atual. Se levarmos em conta que a presidente Dilma Rousseff tem mais três anos de mandato, o agravamento e a permanência da crise nos aproximam cada vez mais da situação da Argentina e da Venezuela.

Por ironia, porém, o desenlace desse confronto é urdido por um partido coadjuvante dessa polarização, o PMDB, cujo comportamento até agora tem sido dar sustentação a quem está no poder e disso tirar o máximo proveito, de forma fisiológica e patrimonialista. Tanto é assim que os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estão na mira da Operação Lava-Jato, que desnudou a crise ética a partir das investigações sobre o esquema de corrupção montado na Petrobras para financiar o hegemonismo petista.

Palavras ao vento
Algo se move. O sinal é o documento apresentado pelo vice-presidente da República, Michel Temer, para discussão no congresso do PMDB. Na verdade, é uma proposta de governo, que está muito mais calcada na crise atual do que nos cenários possíveis para 2018. Quem conhece os bastidores do Congresso sabe, porém, que a proposta não tem sintonia plena com os demais caciques do partido. Pode-se concluir: papel aceita tudo!

Ocorre que a coisa muda de figura se o documento for um compromisso de Michel Temer com os agentes econômicos e os partidos de oposição, o que posicionaria o vice-presidente da República como uma alternativa de poder caso a presidente Dilma Rousseff renuncie ou venha a ser apeada do poder por um processo de impeachment no Congresso. Elaborado sob a coordenação do presidente da Fundação Ulysses Guimarães, o ex-ministro Moreira Franco, o texto rompe com as concepções nacional-desenvolvimentistas do PT e propõe um ajuste estrutural da economia, de caráter liberal-social.

Defende, entre outras coisas, que se estabeleça uma idade mínima para a aposentadoria (60 anos para mulheres e 65 anos para homens); que os gastos com saúde e educação deixem de ter patamares mínimos, definidos pela Constituição; que se deixe de indexar o reajuste dos benefícios sociais e previdenciários ao salário mínimo; que o regime para a exploração de petróleo não seja mais de partilha, que onera a Petrobras; e que as convenções coletivas de trabalho prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos. Isso é música para empresários, prefeitos e governadores na crise atual.

O PMDB propõe privatizações e concessões em logística e infraestrutura, e também acordos comerciais com os Estados Unidos, a Europa e a Ásia, “com ou sem a companhia do Mercosul”. E insinua a necessidade de formação de um governo de união nacional, que restabeleça o diálogo e una o país. Tudo pode não passar de palavras ao vento, porque o sistema político está bloqueado. Mas, se quiser, o PMDB tem força no Congresso para promover uma ruptura no sistema de forças que domina a vida política nacional, com ou sem Dilma, ainda mais porque os principais líderes políticos do país estão com altos índices de rejeição.

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