• Levy teve atenção integral do seu anjo da guarda
- Valor Econômico
O novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi recebido com ceticismo provocado pela guinada que certamente virá na retomada de sua matriz macroeconômica do gasto, do consumo, do subsídio, da pedalada e de tudo o mais que jogou a economia no abismo em que se encontra.
"O superávit tem que ser no nível necessário mas é necessário tempo para atingir esse nível". Com uma conceituação como essa e algumas outras platitudes, repetições de seu próprio discurso e frases de efeito, o ministro vem colocando em prática, agora no novo cargo para o qual teve pensamento e ação voltados desde sempre nas suas temporadas no governo, a máxima do PT em campanha eleitoral e em funções executivas: basta falar, fazer promessas, mostrar descompromisso explícito. Tudo se resolve-se no discurso.
Mas resolve-se de um lado só, no caso, do partido. Continuam a descoberto a sociedade, a quem o governo precisa se tornar crível, e o mercado, de quem precisa atrair investimentos, conter o dólar, impulsionar a bolsa e empurrar a mágica goela abaixo. O novo ministro da Fazenda, em sua primeira entrevista, tentou "tranquilizar" os eleitores de Dilma sobre sua própria credibilidade, suficiente para levantar a do governo, garantindo que o descrédito vem com a posse, depois, com os resultados, vem a confiança.
Mas está sendo desmentido até pelo governo. O líder na Câmara, José Guimarães, bradou numa lateral da posse, com entusiasmo: "O Brasil não precisa de mais mercado, mas de mais Estado. Não haverá retomada se ficar só nessa história de ajuste." Por que fazer o discurso contra o que sempre defendeu, o seu próprio modelo? Barbosa é uma esfinge.
Acha que é esse discurso que a sociedade e o mercado querem ouvir, o que é verdade, se fosse verdadeiro. O governo não faz a diferença entre uma coisa e outra, e acredita que todos acreditam nele ou têm que acreditar. Dilma e Barbosa, além do PT, sabem que as palavras são para o vento, a ação é outra coisa. O eleitorado, que demora um pouco mais para perceber o jogo político, está ainda procurando entender por que trocaram o ministro Joaquim Levy para defender e fazer a mesma coisa que o boicote do governo o impediu de realizar.
No discurso com que entronizou Barbosa no cargo, presenteando-o finalmente depois de uma luta renhida contra os ministros antecessores, ela recomenda fazer o que for preciso para retomar o crescimento, "sem guinadas e sem mudanças bruscas". Retomar o crescimento é discurso, mas quais seriam as medidas bruscas?
Ignorar que foi Nelson Barbosa quem derrubou Joaquim Levy é estar cego à realidade. Também é óbvio que o atual ministro saiu do governo, onde participou da gestão das pedaladas, que depois defenderia no Congresso e Brasil afora ao longo da condenação no Tribunal de Contas, porque não conseguiu afastar seus antecessores no comando, Guido Mantega e Arno Augustin, de quem discordava, imaginava-se à época, no conteúdo da formulação política. Hoje vê-se que talvez já fosse uma disputa de poder.
A presidente escolheu um ministro de linha contrária à sua, Joaquim Levy, por pressão do mercado e do ex-presidente Lula. Depois, Lula virou a casaca, para seguir os sindicatos, que reagiram aos ajustes na legislação trabalhista, e agradar o PT, que entrou agressivamente na campanha pró Nelson Barbosa, cujo descontentamento no posto do Planejamento era visível e mal conseguia esperar a queda do adversário.
Mesmo trabalhando fora do palanque principal, Barbosa atuou em tempo integral no Palácio do Planalto. Lutou até o fim para que suas teses, contra as do Levy, fossem preferidas. Junto à Comissão de Orçamento defendeu o superávit em bandas, que podia chegar a zero, quando Levy já anunciara demissão se não ficasse em 0,7%.
O discurso da CPMF, por sinal, ressuscitou ao toque de Nelson Barbosa, que levou a presidente a, com uma naturalidade surpreendente, recuar de toda a sua campanha eleitoral e pedir mais imposto à população.
Como Levy, Dilma, os chefes da Casa Civil e ministros das Relações Institucionais, Nelson Barbosa atribui ao Congresso a responsabilidade pela salvação do país. E o Executivo? O que pode fazer? O que fará? Nunca se votou tanto no Congresso como este ano, uma agenda quase integral do Executivo. Nunca o Judiciário agradou tanto ao Executivo, encaçapando seus argumentos políticos. Só do governo não se sabe qual a contribuição para resolver as crises. Não há nada que se possa fazer por portaria, por decreto, por medida provisória, por ação administrativa, por gestão, por negociação?
Envolver os Estados e municipios na pressão para rachar impostos, defender a reforma da previdência, turbinar as concessões, tudo o que se defende hoje já estava na mesa. Qual a diferença?
Era Nelson Barbosa quem boicotava a política que não o agradava, na presunção - acertada, como se vê - de que é o que deseja a presidente Dilma.
O governo poderia ter ganho tempo aplicando seu modelo logo em janeiro, quando Barbosa imaginava assumir a Fazenda. Mas preferiu fazer um teste para ver se saía do buraco rapidamente, o que resultou no desgaste de todos.
Todo o governo está com ordem de fazer a propaganda de que o novo ministro da Fazenda é o mais radical defensor do ajuste fiscal. Entre entrevistas e discursos, Nelson Barbosa está falando três a quatro vezes por dia, para repetir alguns mantras e ver se inspira fé. Jaques Wagner saiu também em socorro do ministro, bem como a própria presidente, que nunca falou tanto em equilíbrio de contas públicas como agora.
Wagner chegou a pedir que o ministro não seja julgado antes de começar. Mas já não estava no governo há tempos? Era Levy quem não o deixava trabalhar ou ele que não deixava Levy trabalhar? Palácio é máquina de virar as pessoas do avesso. Aqui mesmo neste espaço foi celebrada a primeira entrevista do ministro Jaques Wagner, como chefe da Casa Civil, em que estabeleceu a diferença com o seu antecessor pela cordialidade, paciência e disponibilidade para explicar com realismo as questões de governo, especialmente as crises. Na entrevista de fim de ano que concedeu ontem Wagner retomou sua condecoração de ministro normal. Engoliu a guerra pessoal de Nelson Barbosa, direcionou as responsabilidades todas para o Congresso, atacou o ministro que sai, dizendo que ambos têm competência técnica "mas economia não é ciência exata".
Os dois ministros, o que sai e o que entra, estão com sorrisos de felicidade incontida. É melhor rezar pelo que fica, vez que o que sai teve bastante atenção do seu anjo da guarda.
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