- Folha de S. Paulo
Impressiona a ligeireza com que os defensores da presidente Dilma Rousseff descartam a fundamentação do pedido de impeachment, feito com base em infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Além de desconhecimento da legislação, essa postura revela incompreensão do significado da LRF não apenas para a estabilidade da economia do país como também para a qualidade da democracia brasileira.
As infrações legais foram sistemáticas, como demonstraram o TCU e o Ministério Público Federal. Em 2014, elas responderam ao propósito de facilitar a reeleição da presidente.
As "pedaladas" consistiram em forçar os bancos federais a cobrir com recursos próprios a conta de subsídios, principalmente a grandes empresas financiadas pelo BNDES, e o pagamento de benefícios sociais, enquanto o Tesouro mantinha dinheiro em caixa, simulando um resultado primário superior ao verdadeiro.
Tudo para evitar medidas inconvenientes do ponto de vista eleitoral, que se impunham, por lei, em face da deterioração da economia e de seus reflexos negativos sobre a arrecadação. Tal burla nada tem de corriqueiro.
O atraso nos repasses do Tesouro aos bancos estatais atingiu R$ 57 bilhões. A LRF foi infringida pelo menos duas vezes: o governo usou os bancos federais para financiar o Tesouro e o fez para se esquivar da obrigação de reduzir o gasto em face da frustração da receita estimada.
Ao contrário, o governo aumentou a despesa por meio de decretos ilegais, não aprovados pelo Congresso, alegando imaginários excessos de arrecadação.
Poderia, alternativamente, ter admitido a impossibilidade de atingir a meta fiscal e submetido ao Congresso projeto reduzindo o montante originalmente previsto. Mas isso também provocaria danos eleitorais. Preferiu deixar o encontro com a verdade fiscal para depois das eleições.
Só então a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi alterada pelo Congresso para legalizar a lambança fiscal. E que lambança: em dezembro de 2014, o país foi oficialmente informado de que o resultado primário do setor público não era um superavit de R$ 99 bilhões e sim um deficit de R$ 32 bilhões.
Repito, não se tratou de erro, mas sim de manipulação fiscal para facilitar a reeleição.
Em 2015, o Executivo continuou a editar decretos que, também sem aprovação do Congresso, autorizaram gastos adicionais com base em excessos imaginários de arrecadação. Embora com uma equipe econômica de maior espírito público e melhor qualidade técnica, o superavit fixado na LDO novamente virou deficit e a meta ali estabelecida só foi ajustada à realidade no apagar das luzes do exercício fiscal.
Não faltam, portanto, elementos para a responsabilização política da presidente. As infrações apontadas têm-se dado de forma continuada, sob instrução da mandatária.
Em 2014, em nome da reeleição e do "ousado experimento desenvolvimentista". Em 2015, na tentativa de remediar suas consequências desastrosas.
Ainda que sem igual dolo, as infrações verificadas em 2015 são uma extensão daquelas cometidas no ano passado. Além disso, embora o tema seja juridicamente controverso, o mais elementar bom senso recomenda considerar o(a) presidente atual responsável por atos cometidos em seu mandato imediatamente anterior, sobretudo quando a infração legal facilitou a própria reeleição.
O pedido de impeachment não é golpe. É um instrumento que a Constituição oferece para pôr fim a governos que desrespeitaram a confiança pública, transgredindo a lei para exercer o poder em seu benefício. Neste caso, infração continuada à lei orçamentária, tipificada como crime de responsabilidade na lei sobre o impeachment.
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Sergio Fausto, 53, cientista político, é superintendente executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso
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