• No livro ‘Rio de Janeiro’, Luiz Eduardo Soares recorda episódios durante a campanha e o primeiro governo de Lula, que chama de ‘primórdio do mensalão’
• “Não sei qual o futuro do PT. Mas o PMDB não está aí? O PT deve se tornar um partido como outros, um que faz o jogo de ocasião”
André Miranda - O Globo
São muitas as violências relatadas em “Rio de Janeiro”, livro que o antropólogo Luiz Eduardo Soares lança na semana que vem, pela editora Companha das Letras. As violências narradas no livro, contudo, ultrapassam o campo da segurança. Ao lado de histórias de abusos policiais e atentados, Soares trata de esquemas de corrupção na Polícia Rodoviária Federal, conchavos nem sempre legais entre partidos e ainda o que o autor chama de “primórdio do mensalão”.
A obra traça um panorama da cidade a partir de histórias coletadas por Soares, inclusive nos períodos em que ocupou os cargos de coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio, entre 1999 e 2000, no governo de Anthony Garotinho; e de secretário nacional de Segurança, de janeiro a outubro de 2003, durante a Presidência de Lula. Da primeira função, ele foi demitido por Garotinho, numa entrevista ao vivo ao “RJ-TV”, dias depois de ter denunciado a existência de uma “banda podre” na polícia fluminense. Da segunda, pediu exoneração após ser acusado de nepotismo por ter contratado mulher e ex-mulher para prestar serviços à Secretaria. Soares foi ainda candidato a vice-governador na chapa de Benedita da Silva em 2002, mas a dupla perdeu a eleição para Rosinha Garotinho. Já nas duas últimas eleições para a Presidência, fez parte da campanha de Marina Silva.
Logo no primeiro capítulo de “Rio de Janeiro”, o antropólogo lembra os dez meses em que trabalhou no governo federal, quando teria recebido denúncias contra a superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Rio. Ele conta que levou as suspeitas contra um dirigente da PRF para o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, mas foi rechaçado por uma revelação: “Ele próprio estava muito chateado e desconfortável, mas, infelizmente, fora impossível impedir a nomeação. José Dirceu já havia negociado com Roberto Jefferson aquela superintendência”, escreveu Soares.
O autor relata, ainda, que recebeu a visita de um homem no segundo semestre de 2002, que fez referência ao bicheiro Carlinhos Cachoeira — o qual se revelaria, em 2005, uma das figuras centrais do escândalo do mensalão. O homem teria dito: “O esquema de arrecadação montado no Rio para a campanha nacional é coisa de amador. Mal rende R$ 300 mil por mês. Essa coisa de bicheiro, maquininha de azar, bingo, isso é mixaria e pode criar dificuldades, o senhor sabe. Dá uma merreca e acaba dando merda”.
No livro, Soares conta que revelou a conversa a dois dirigentes nacionais e deputados do PT, nenhum deles identificado. E que, pouco depois, foi afastado da campanha.
— Eu já havia tornado públicos alguns desses pontos em entrevistas, mas agora resolvi fazer uma narrativa contínua, que permita uma compreensão abrangente — explica Soares.
O antropólogo conta que deixou o PT por conta das críticas sofridas na época, em especial do então presidente do partido, José Genoino.
— Não sei qual o futuro do PT. Mas o PMDB não está aí? O PT deve se tornar um partido como outros, um que faz o jogo de ocasião, que depende da máquina do poder para se reproduzir e que diz o que é necessário para vencer uma eleição — afirma Soares.
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